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Confira artigo de autoria de Leonardo Augusto Andrade, advogado e sócio da área tributária do Velloza Advogados, publicado na edição de hoje do jornal “Valor Econômico”.
Valor residual não integra base do ISS
A inserção do VRG como elemento integrante da base de cálculo do ISS contraria a lei que prevê somente o preço do serviço como base de cálculo
Por Leonardo Augusto Andrade
Alvo de controvérsias judiciais que remontam há mais de uma década, a cobrança de ISS sobre as operações de leasing deve render mais um capítulo. O tema desta vez está relacionado à inclusão do Valor Residual Garantido (VRG) na base de cálculo do imposto municipal, que deve ser considerada ilegítima pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme tentaremos demonstrar neste artigo.
Em primeiro lugar, é importante situar o leitor quanto às duas discussões já solucionadas pelos tribunais superiores. A primeira diz respeito à constitucionalidade da cobrança do ISS sobre operações de arrendamento mercantil, fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009 (RE 592.905).
A inserção do VRG como elemento integrante da base de cálculo do ISS contraria a lei que prevê somente o preço do serviço como base de cálculo
A segunda, objeto de repetitivo julgado pelo STJ, partiu da primeira para fixar que o elemento central da operação de leasing financeiro é o financiamento. Assim, a cobrança do imposto correspondente caberá ao município onde está situado o estabelecimento da instituição financeira com poderes suficientes para autorizar a operação (Resp 1.060.210).
Quando o STJ afetou o referido recurso ao rito dos repetitivos, a discussão envolvia não apenas a definição do sujeito ativo da obrigação tributária, mas também a base de cálculo a ser observada. Essa última questão, contudo, ficou prejudicada, tendo em vista que o município envolvido no caso concreto selecionado – Tubarão, em Santa Catarina – foi considerado incompetente para exigir o ISS da instituição financeira envolvida, estabelecida em Osasco, na Grande São Paulo. Uma vez que a incompetência do município era suficiente para cancelar as cobranças de ISS discutidas no processo, não cabia ao STJ avançar sobre o critério quantitativo da obrigação tributária. Obviamente, nenhum tributo deveria ser pago pela instituição financeira ao município de Tubarão.
Entretanto, passados alguns anos da referida pacificação, o município de São Paulo, sabidamente onde grande parte das instituições financeiras concentram suas atividades, passou a autuar sujeitos passivos para exigir vultosas diferenças de ISS sobre operações de arrendamento mercantil. As autuações decorrem da não inclusão do VRG na base de cálculo do tributo.
Essa postura, contudo, contraria o que dispõe a lei sobre a base de cálculo do ISS, vinculada ao preço do serviço. As autuações também estão em desacordo com o figurino jurídico do VRG delimitado pela legislação. Conforme entendimento já manifestado pela Seção de Direito Privado do STJ, o valor tem por função servir de garantia do arrendador quanto à deterioração do bem arrendado (Resp Repetitivo nº 1.099.212/RJ).
É pertinente observar, ainda, que o STF e o STJ identificaram um núcleo na operação de leasing financeiro, notadamente a aprovação e a administração de um financiamento para a aquisição de um bem. Esse entendimento foi determinante para julgar constitucional a cobrança do ISS sobre a atividade e também para a definição do seu sujeito ativo. Assim, considerando que a base de cálculo de um tributo deve corresponder à expressão econômica de seu fato gerador, apenas aquilo que o arrendador recebe como contrapartida ao financiamento do bem arrendado deve integrar o montante tributável.
O VRG visa a atribuir equilíbrio contratual à operação de leasing, considerando que nela a opção de compra do bem pode não ocorrer, ou o eventual inadimplemento contratual ocasionar a necessidade de retomada da sua posse direta pelo arrendador. Previu-se, portanto, a possibilidade de estipulação de um valor mínimo a ser pago, em momento contratualmente estabelecido, para evitar que a depreciação do bem arrendado possa ocasionar prejuízo excessivo ao arrendador – caso a venda do bem cuja posse direta recuperou seja insuficiente para recuperar o investimento inicial na sua aquisição.
Não é por outro motivo que a 2ª Seção do STJ possui o entendimento pacífico de que é dever da arrendadora restituir ao arrendatário o valor arrecadado com a venda do bem que, somado ao VRG antecipado, supere o valor residual mínimo previsto em contrato (REsp nº 1.099.212-RJ). Esse entendimento corrobora o fato de o VRG não se tratar de remuneração de um serviço prestado, mas uma mera garantia de preservação do investimento, que pode ser inclusive devolvida ao arrendatário.
Contabilmente, aliás, o VRG, quando recebido antecipadamente, é registrado no passivo das arrendadoras até o término do contrato (Conta Cosif 4.9.9.08.00-8, Credores por antecipação de valor residual). Isso ocorre justamente porque existe a obrigação de devolução do valor ou de seu abatimento do preço, caso a opção de compra seja exercida pelo arrendatário no momento oportuno.
Portanto, a inserção do VRG como elemento integrante da base de cálculo do ISS contraria a lei que prevê somente o preço do serviço como base de cálculo desse tributo. Tal tratamento gera insegurança às relações jurídicas já estabelecidas, devido ao incremento inesperado do ônus tributário imposto aos arrendadores, além de majoração indevida do preço das operações para os consumidores finais no futuro, caso a tributação dessa quantia venha a ser validada.
Vale observar que o leasing já possui uma desvantagem competitiva em relação ao seu equivalente mais próximo, o Crédito Direto ao Consumidor (CDC), não alcançado pelo ISS. A majoração da base de cálculo por meio da inclusão ilegal do VRG pode agravar essa disparidade, ferindo de morte a neutralidade que deve pautar a tributação.
Espera-se, portanto, que o STJ exerça seu papel primordial de pacificar a interpretação da legislação federal, decidindo que o VRG não integra a base de cálculo do ISS.
Fonte: “Valor Econômico”, Opinião, artigo de autoria de Leonardo Augusto Andrade, advogado e sócio da área tributária do Velloza Advogados