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O spread bruto é elevado no Brasil, mas disso não decorre necessariamente que o spread e o lucro líquido também o sejam “Para problemas complexos, sempre existem soluções simples… e erradas”. A frase parece ajustar-se como uma luva no debate sobre o spread bancário no Brasil, que vem aparecendo com frequência no noticiário econômico, mas quase sempre de forma superficial e limitada. Este artigo é uma tentativa de contribuir para esse debate, esclarecendo alguns aspectos, de natureza técnica, que podem ajudar a termos um melhor entendimento do assunto. Vamos a eles:
1) Dados parciais: os dados do Banco Central (BC) consideram apenas parte das operações bancárias, as do chamado mercado livre de crédito, que em geral são de prazo menor e que correspondem a cerca de 45% das operações do sistema. As restantes são, em geral, de spread mais baixo, como financiamento imobiliário, leasing e repasses do BNDES. Nossos cálculos indicam que a inclusão dessas operações reduziria em cerca de 7,4 pontos percentuais (pp) o spread bancário bruto referente a março.
2) Spread bruto: embora spread bruto e lucros do setor financeiro sejam com frequência tratados como sinônimos, são conceitos bastante distintos. O spread calculado pelo BC equivale à diferença entre as taxas de captação, pagas pelos bancos, e as taxas cobradas nas operações de empréstimo. Spreads elevados podem ou não implicar em lucros elevados, a depender de outros fatores, entre eles a taxa de inadimplência e a carga tributária. Para se chegar ao spread líquido, que seria uma melhor aproximação do lucro
líquido, é necessário descontar os demais custos que incidem sobre as operações de crédito.
3.1) Inadimplência – cálculos do BC indicam que só a inadimplência responde por algo como 37% do spread bancário, certamente um dos mais elevados níveis do mundo. O custo é alto porque a qualidade da informação no Brasil é deficiente, elevando muito o risco para o emprestador. Assim, bons pagadores pagam pelos maus e é por isso que o setor bancário defende o cadastro positivo e todas as iniciativas que possam melhorar a qualidade da informação disponível aos agentes econômicos. Os custos associados à inadimplência também são elevadíssimos se incluirmos gastos com a cobrança judicial, a demora na recuperação de garantias etc. Destaque-se a evidência de que nas linhas com melhores garantias, como o crédito consignado e o financiamento de veículos, os spreads são bem menores.
3.2) Carga tributária: o Brasil é provavelmente o único país que tributa a intermediação financeira, onerando poupadores e tomadores de crédito. Sobre as operações de crédito incide uma alíquota de 3,65% referente a PIS/ Cofins e outra, de IOF, que pode atingir até 1,88% ao ano. Na tributação direta, além do IR os bancos recolhem a alíquota diferenciada de CSLL de 15%. Segundo o BC, os tributos diretos e indiretos respondem por cerca de 18,5% do spread bruto nas operações de crédito livre.
3.3) Compulsórios: é provável que o Brasil tenha os maiores níveis de depósitos compulsórios do mundo. Sobre depósitos à vista o percentual é de 47% comparativamente a, por exemplo, 10% nos EUA e 3% na zona do euro. Também há compulsórios sobre depósitos a prazo, o que é uma clara distorção em relação aos demais países. Esse nível de compulsório até ajudou o Banco Central a injetar liquidez rapidamente no sistema após o agravamento da atual crise externa, mas é inegável que se trata de mais um custo que infla o spread, onera os tomadores de crédito e eleva as despesas de captação dos bancos.
3.4) Custos administrativos/operacionais – no cálculo do BC, esses custos respondem por 13,5% do spread, mas avaliamos que este percentual pode estar subestimado. A metodologia do BC só considera os custos “alocáveis” a um número limitado de operações, os 45% citados no item 1. Ficam de fora outros custos, inclusive o das operações obrigatórias, como o crédito rural. Se os incluirmos de alguma forma, certamente teremos uma elevação deste percentual.
É importante mencionar que os percentuais aqui citados correspondem a um estudo do BC para o ano de 2007, feito para as operações do mercado livre de crédito. Mas, feita esta ressalva, achamos que essa metodologia pode nos ajudar a pelo menos chegar a um cálculo mais correto sobre o spread líquido do setor bancário no Brasil. E qual seria este número? De acordo com os dados do BC para março de 2009, o spread bruto para as operações de crédito livre foi de 28,5%. Incluídas outras operações de crédito direcionado e de taxas controladas, de acordo com a metodologia da Febraban, este spread cairia para 21,1%
Ainda segundo o BC, o spread ou resíduo líquido corresponde a cerca de 27% do spread bruto (27% de 21,1%), o que daria, portanto, 5,7% ao ano. É provável que este número seja ainda mais baixo, já que em nossa avaliação os custos administrativos parecem subestimados na metodologia utilizada pelo BC. De todo modo, é o spread líquido (5,7% ao ano) e não o spread bruto, que deveria ser utilizado na comparação com o desempenho do setor financeiro em outros países (em tempos normais) e com a rentabilidade de outros setores da economia brasileira.
O spread bruto é elevado no Brasil, mas disso não decorre necessariamente que o spread e o lucro líquido também o sejam. Uma discussão séria para reduzir o spread bruto deveria ser centrada nos fatores estruturais listados acima. Análises apressadas e pouco técnicas podem até render boas manchetes, mas não contribuirão para que se encontrem as soluções corretas para este problema.
Rubens Sardenberg é economista-chefe da Febraban. Foi diretor de Finanças do Banco Nossa Caixa (2003/2007 ) e secretário-adjunto do Tesouro Nacional (2000/2002).
Veículo: Valor Econômico