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Jairo Saddi*
Já se disse, há muito, que bancos que emprestam no Brasil quebram. Isto é curioso, já que uma das principais funções de um banco é exatamente a intermediação financeira. Graças à existência de bancos tornou-se possível a transferência de recursos dos agentes superavitários para os deficitários, com o intuito de criar riquezas. Nestes tempos bicudos, é fundamental compreender melhor os riscos envolvidos nesta atividade para que um bom diagnóstico possa ser construído para o nosso país.
A noção de risco implica prejuízo. Só é possível definir que a probabilidade de perda existe concomitantemente à probabilidade de lucro – em iguais condições e com o cumprimento de determinadas regras.
Deve-se ter claro, primeiramente, que somente há risco em razão de existir a probabilidade da ruptura contratual, em face do não cumprimento de algum tipo de obrigação na data e nas condições determinadas, motivado por fatores imprevistos, sejam eles exógenos ou não. Se houvesse a certeza de que todas as variáveis presentes se comportariam de acordo com a expectativa, não haveria risco. Como há um comportamento aleatório de algumas (ou mesmo de todas) as variáveis presentes, diz-se que há risco.
Em segundo lugar, apenas o incerto não é suficiente para quantificarmos risco. O incerto deve ser sobre valor relevante para o agente econômico. Além disso, em qualquer ambiente controlável, pode não haver somente risco, mas também a possibilidade de erro. Uma analogia com a ciência permite que melhor elucidemos o exposto acima: numa dada experiência de laboratório, a probabilidade de algo não resultar conforme o planejado não pode ser explicada apenas pelo risco, uma vez que o erro também pode justificá-la.
Na teoria financeira, riscos podem ser eliminados ou evitados por meio da adoção de medidas específicas, entre elas a padronização de procedimentos, contratos e processos, a fim de prevenir a tomada de decisões incorretas ou ineficientes. Os riscos também podem ser eliminados pela construção de portfólios diversificados para tomadores de recursos, com vistas a reduzir os efeitos das perdas individuais de uma carteira, podendo ainda ser transferidos por meio de instrumentos financeiros (swaps, ou derivativos, por exemplo), ou mediante modificações nas condições originalmente contratadas.
Risco de crédito é a probabilidade de, num contrato de mútuo, o devedor não satisfazer o credor nas datas e condições avençadas. (Para alguns autores, o termo mais adequado, para este caso, seria risco de inadimplência). O que caracteriza o risco de inadimplência é a probabilidade de que os juros ou o principal não sejam pagos nas datas devidas e nas quantidades prometidas. A prática bancária apresenta algumas soluções para o tipo de risco em questão, a saber: a exigência de uma provisão adequada para devedores duvidosos, a limitação das operações com ativos e/ou clientes individuais, o estabelecimento de limites de alavancagem operacional, entre outras. Trata-se de formas tradicionais de lidar com a possível inadimplência de clientes.
No Brasil, há ainda pouco respeito ao credor. O papel do Judiciário como foco da redução de incertezas, que já foi muito ressaltado, não deve ser subestimado. Num lugar onde não há certeza nem justiça, certamente não haverá crédito, na mesma linhagem de pensamento de Henry Thornton, ainda no século XIX. E onde não há certeza jurídica, não há qualquer espécie de direitos. A estabilidade jurídica há de ser a próxima grande batalha das reformas do Brasil – ou, melhor dizendo, o grande tema que permita a transposição de um país com características atrasadas para um país efetivamente moderno, justo e produtivo.
*Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, doutor em direito econômico (USP), é diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Escreve mensalmente às segundas-feiras.
Artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, na edição de 23 de março de 2015.