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Tanto quanto a repentina escassez de crédito, a venda de carros e imóveis foi afetada pelo temor dos consumidores
Além da maior disponibilidade de crédito, o financiamento de veículos, um dos segmentos de maior crescimento nos últimos anos, beneficiou-se da inovação jurídica representada pelas operações deleasing. Principal modalidade de empréstimos contratados, o leasing tem a vantagem de reduzir o risco embutido na operação para os bancos e financeiras. O fato de o próprio bem financiado servir de garantia estimulou o aumento da participação dessas carteiras no portfólio bancário, já que, em caso de inadimplência, o veículo pode ser facilmente retomado e colocado em leilão. Empréstimos consignados c, em menor medida, o financiamento imobiliário, aparecem como os outros dois nichos com as maiores taxas de crescimento, até o agravamento da crise internacional.
A freada brusca no volume de empréstimos para a compra de carros chegou após um forte crescimento. De acordo com a Anef, associação dos bancos ligados às montadoras de veículos, o volume total de empréstimos registrara, em setembro, crescimento de 41%, no saldo acumulado de doze meses. Os brasileiros, à”luela altura, acumulavam uma dívida total relativa às aquisições de veículos de 139 bilhões de reais.
Os números divulgados no início de dezembro relativos às vendas da indústria automobilística indicam que o negócio dificilmente voltará ao ritmo de crescimento registrado até meados de setembro. De acordo com a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o total de veículos vendidos em novembro foi 22% menor do que o número registrado em novembro de 2007. Até então, o setor comemorava sucessivos recordes nas vendas. Mesmo com os resultados ruins de outubro e novembro, o setor acumula, desde janeiro. crescimento de 17% em comparação com o ano passado.
Para o economista Luiz Fernando de Paula, da UerJ, a retração do financiamento a veículos dava sinais de desaceleração antes de a crise tornar-se crítica. “A procura por financiamento para a compra de veículos enfraquecia, provavelmente porque estava batendo em seu limite”, afirma.
De olho nesse nicho do mercado, o Banco do Brasil anunciou, em julho, a intenção de firmar uma parceria com o banco sul-africano FirstRand, para dobrar sua carteira. A idéia Original era criar um banco em parceria para tocar o negócio. No fim de novembro, a direção do BB anunciou que havia recebido a notícia de que os sul-africanos tinham desistido da parceria. O anúncio da desistência veio acompanhado da notícia de que os lucros do FirstRand haviam caído 30% DO terceiro trimestre do ano.
Em depoimento no Senado, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou. no dia 26 de novembro, a existência de dinheiro disponível no mercado para bancar o financiamento de veículos. “0 problema é que a demanda se retraiu”, afirmou Meirelles. Uma parcela desses recursos veio do Banco do Brasil, que anunciou recentemente a liberação de 4 bilhões de reais para os bancos das montadoras financiarem suas vendas. Além desses recursos, o BB também comprou carteiras de financiamento de veículos de bancos com dificuldades de caixa. Uma parcela dessas carteiras teria sido adquirida do Banco Votorantim, pego de surpresa pela mudança de humor do mercado. Principal instituição no financiamento de veículos, o BV teria recebido 4 bilhões de reais pelas carteiras vendidas ao Banco do Brasil, com quem negocia uma participação em seu capital.
Na avaliação dos especialistas, a escassez de liquidez poderá durar um bom tempo, provavelmente todo o ano de 2009, até que os capitais internacionais se sintam confiantes a abandonar os títulos públicos norte- americanos, tidos como uma reserva de valor inabalável, apesar de a economia dos EUA ser a origem da crise.
As linhas de crédito voltadas aos consumidores de menor poder aquisitivo também deverão passar por uma desaceleração. “Com a esperada queda da renda real nos próximos meses, a tendência é que os empréstimos à camada de baixa renda caiam também”, afirma De Paula. O economista acredita que os bancos ainda manterão o interesse por esse tipo de cliente, inclusive por ser mais lucrativo do que aqueles de maior poder aquisitivo. “Em geral, esses clientes mais Pobres pagam tarifas mais elevadas, juros maiores”, diz.
O financiamento imobiliário, que registrou recorde no saldo de contratos em novembro, seguirá em ritmo de banho-maria para a maioria dos bancos privados. Até aqui, os índices de crescimento foram consistentes, em cima de uma base historicamente reduzida. Nesse segmento, a Caixa Econômica Federal aínda é, de longe, o principal agente em operação.
Em outro segmento de crescimento, o dos empréstimos consignados, os bancos públicos prometem acirrar a concorrência com os privados. Recentemente, a Caixa anunciou a pretensão de ampliar para 10 bilhões de reaís o total de consignados, um crescimento de 25% em relação a 2007. A intenção da Caixa é buscar novos tomadores de crédito na iniciativa privada.
Também nesse segmento do mercado bancário as instituições brasileiras demonstram sua histórica aversão a riscos elevados, já que as parcelas do empréstimo são pagas por meio de descontos diretos na folha de pagamento. Hoje, aposentados e pensionistas, muitos deles funcionários públicos, dominam esse mercado.
Bancos de menor porte aproveitaram os recursos públicos e a disposição de algumas instituições privadas para fazer caixa e enfrentar o período de vacas magras. De acordo com o Banco Central, até o fim de novembro, as vendas acumuladas de carteiras de crédito somaram 23 bilhões de reais. Esse montante, segundo cálculos da consultoria Economatíca, representa, aproximadamente, 30% do total de empréstimos concedidos pelas pequenas e médias instituições. Além das instituições oficiais, Bradesco e Santander aparecem como os compradores dos negócios dos bancos menores.
Veículo: Carta Capital Especiais 12/12/08 Estado: SP