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Plano de incentivo ao crédito nos EUA é recebido com dúvidas

O Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, lançou um ambicioso plano de financiamento que pode chegar a US$ 1 trilhão, numa aposta de que crédito barato vindo da instituição vai atrair investidores de volta aos moribundos mercados de crédito ao consumidor e a empresas.

O Fed, que em novembro havia anunciado que criaria uma joint venture com o Departamento do Tesouro para esses créditos, informou ontem que os investidores podem começar a tomar empréstimos do banco central a partir de 17 de março. O dinheiro pode ser usado para comprar títulos recém-emitidos lastreados em dívidas que vão de financiamento de automóveis a leasing de equipamentos industriais.
 
O Fed também expandiu o alcance do programa – antes limitado a empréstimos a pessoas físicas e a pequenas empresas – para financiamento de equipamento industrial pesado e leasing de equipamentos agrícolas e de frotas locadoras de automóveis. Algumas exigências foram amenizadas, para atrair investidores e emissores de dívida. Por exemplo, os participantes não vão precisar obedecer a limites de salários de seus executivos aplicados aos bancos que aceitaram dinheiro do governo.
 
O Fed e o Tesouro esperam que a iniciativa, batizada de Linha de Crédito para Títulos Lastreados em Ativos a Prazo (Talf, a sigla em inglês), catalize os mercados em que empréstimos são agrupados em títulos de investimento. No auge do mercado de crédito, Wall Street emitia mais de US$ 1 trilhão por ano em títulos de crédito de consumo, além de outros trilhões lastreados em hipotecas. Esses mercados – que muitos chamam de “sistema bancário paralelo” porque as transações e os relacionamentos não são muito transparentes – foi responsável por cerca de 40% de todo o crédito ao consumidor antes da crise. Mas o mercado secou no ano passado. A emissão de títulos lastreados em empréstimos ao consumo caíram para menos de US$ 8 bilhões nos últimos três meses do ano passado.
 
“Houve um certo colapso do sistema bancário e quase total colapso do “sistema bancário paralelo””, disse o economista Alan Blinder, da Universidade de Princeton. “Dada a nossa dependência deste, precisamos ressuscitar o sistema paralelo.”
 
Os investidores saudaram o anúncio de ontem com um misto de entusiasmo e ceticismo.
 
“Precisamos de um mercado de securitização robusto para restabelecer uma ampla plataforma de crédito na sociedade”, disse Stephen Schwarzman, presidente da empresa de private equity Blackstone Group LP, que está discutindo a possibilidade de participar do programa do Fed. Schwartzman disse esperar que o plano ajude a trazer investidores de volta a esses mercados.
 
O primeiro teste do programa provavelmente será com a empresa de financiamento ao consumo World Omni Financial Corp., de capital fechado, que opera financiamentos oferecidos pelas concessionárias da Toyota Motor Corp., a maioria delas no sul dos Estados Unidos. A World Omni está preparando a securitização de 25.000 empréstimos vinculados a financiamento de automóveis, furgões e utilitários esportivos da Toyota, que devem geerar pelo menos US$ 750 milhões em títulos lastreados nesses papéis. Em seguida, a empresa vai pedir ao Fed que dê empréstimos de três anos aos investidores que comprarem esses títulos.
 
A World Omni recusou-se a fazer comentários sobre o pedido de financiamento.
 
A eficácia do programa pode ser fundamental para a indústria de automóveis, que sofreu o pior declínio da história em fevereiro. Ainda assim, as regras de classificação de crédito irão eliminar muitos títulos vinculados a empréstimos a concessionárias de automóveis.
 
Executivos de bancos dizem existir pelo menos dez outros programas desse tipo a caminho, muitos dos quais devem ter sido originados pelas empresas de financiamento de automóveis. O Barclays Capital, que está assessorando a World Omni na questão do Talf, afirmou que espera vender duas ou três novas ofertas na primeira rodada de empréstimos Talf a ser fechada no dia 25 de março. Os termos generosos do programa – estruturados para permitir que investidos obtenham retornos de dois dígitos com riscos limitados – levaram alguns fundos de hedge, como o Millenium Capital Management, o Cerberus Capital Management e o Fortress Investmente Group, a pensar em participar.
 
Mas Bill Gross, co-diretor de investimentos da firma de investimentos Pimco Advisors LP, da Califórnia, avisou que o lançamento do programa pode ser tardio e que não atingirá a capacidade de US$ 1 bilhão, dada a fraqueza do mercado consumidor. “Pode acontecer o mesmo problema que tivemos com os bancos”, disse Gross. “Você pode trazer o cavalo até a água, mas ele pode não querer beber.”
 
Em síntese, o governo está tentando salvar a economia colocando sua atenção na engenharia financeira que saiu do controle durante a expansão do crédito. Tanto o presidente Barack Obama quando o presidente do Fed, Ben Bernanke, apostaram um capital político significativo no sucesso do programa ao expandi-lo além dos US$ 200 milhões originais e anunciando isso em discursos e depoimentos no Congresso.
 
“Isso vai abrir nossos mercados de crédito congelados, o que é absolutamente essencial para a recuperação econômica”, disse Obama em discurso, ontem.
 
Alguns pensam que o Fed está usando outra solução de curto prazo para um problema de longo prazo. Thomas Atteberry, sócio e administrador de portfólios do First Pacific Advisor LLC, que não está planejando participar do Talf até agora, disse: “Não acredito muito nisso. Há uma razão para a contração do crédito: a economia está em recessão e os bancos naturalmente aumentam as exigências de empréstimos para proteger sua preciosa capitalização.”
 
Os investidores vão assumir riscos, embora de forma limitada. No caso da World Omni, por exemplo, Eles poderão tomar emprestados entre US$ 92 e US$ 94 dólares do Fed para cada US$ 100 que puserem no negócio. O Fed vai conceder a maioria dos empréstimos com base na Libor – a taxa de empréstimos interbancários de Londres – mais 1 ponto percentual. O retorno dos investidores vai depender do fixação do preço dos títulos. Presumindo-se que não haverá grandes perdas nos empréstimos que lastreiam os títulos, investidores da World Omini estão prevendo retornos entre 12% e 16% ao ano, num período de três anos.
 
Um grande atrativo para os investidores é que eles podem deixar de pagar seus empréstimos do Fed se as pessoas e empresas não honrarem os financiamentos subjacentes de carros ou pequenas empresas, perdendo apenas o investimento inicial. Para se proteger, o Fed só está financiando títulos com as melhores notas de crédito. O Talf é estruturado para permitir que o Tesouro alavanque o dinheiro que o Congresso alocou ao Tarp. Para cada US$ 20 bilhões de dinheiro do Tarp, o Fed emprestará US$ 200 bilhões.
 
Mas mesmo com a proteção do Fed e do Tesouro os investidores do Talf ainda podem incorrer em perdas, dada a fraqueza da economia. Segundo documentos que descrevem o acordo, mais de 40% dos empréstimos previstos para ser parte dos títulos da World Omni foram gerados na Flórida, onde a taxa de desemprego subiu de 3,5% para 7,6% nos últimos dois anos. Nesse período, a firma viu atrasos e perdas em suas carteiras de crédito subir.
 
Na semana passada, a Moody”s Investors Service pôs outros títulos lastreados por financiamentos de veículos ligados à World Omni sob análise, para possível rebaixamento, citando um ambiente econômico desafiador. A companhia e seus banqueiros esperam fechar o acordo no fim de março.
 
O Talf, elaborado pelo secretário do Tesouro, Timothy Geithner, enquanto ele era presidente do Fed de Nova York, foi lançado com o entusiástico apoio do secretário do Tesouro de Bush, Henry Paulson. Ele foi originalmente concebido para mercados de coisas como dívida de cartão de crédito, financiamentos de veículos e empréstimos garantidos pela Administração de Pequenas Empresas.
 
 

Veículo: Valor Economico