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Planalto avalia veto a emenda que protege dirigentes do BC

Com setores divergindo sobre o assunto, o governo avalia a conveniência de vetar ou não a salvaguarda a autoridades monetárias que tomarem medidas excepcionais para garantir liquidez e solvência ao Sistema Financeiro Nacional, regular o câmbio ou proteger os interesses dos investidores, aprovada pelo Congresso semana passada. O ministro José Múcio Monteiro (Relações Institucionais) reconheceu ontem preocupação do governo com a possibilidade de o dispositivo ter alcance tão amplo que beneficie acusados de cometer irregularidades no passado, mesmo que o dispositivo dirija-se explicitamente a agentes públicos.

“A intenção (da medida) era uma, mas dizem que pode significar um grande perdão passado. Está se procurando (no governo) uma forma de evitar que tenha segundas intenções”, afirmou Múcio, na Câmara dos Deputados, antes de reunião com líderes dos partidos aliados. Ele não descartou a possibilidade de veto, mas disse que a solução ainda está sendo estudada. “É uma discussão grande. Alguns setores do governo têm posições diferentes. Estamos vendo se estabelecemos uma resultante”, disse o ministro.
 
Medida livrando agentes públicos do risco de responsabilização penal e civil – por conduta tomada na proteção da política monetária – foi aprovada como emenda ao projeto de lei de conversão proveniente da medida provisória 449. Essa MP criou novo programa de parcelamento de dívidas de empresas e pessoas físicas com a Receita Federal. O texto foi à sanção presidencial.
 
Há forte pressão do Banco Central para que a emenda seja mantida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o ministro da Justiça, Tarso Genro – que estuda recomendar ou não o veto ao presidente – afirmou ontem que sua posição é “crítica” em relação à proposta.
 
Com a crise financeira, autoridades monetárias começaram a manifestar o temor de criminalização por eventuais “medidas excepcionais” que tinham que tomar. Determinadas condutas só foram tomadas quando determinadas por MP, como a autorização para que o BC negociasse redesconto com garantia de carteiras de crédito e estabelecesse critérios para as operações de empréstimo em moeda estrangeira. Vinha sendo discutida, inclusive, a possibilidade de adoção da salvaguarda aos agentes monetários.
 
O PSDB tentou incluir a emenda na Câmara, mas foi rechaçada pelo relator, Tadeu Filipelli (PMDB-DF). No Senado, o próprio relator, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), incluiu o dispositivo como emenda de sua autoria. Ela foi aprovada com a concordância de todos os partidos.
 
Quando retornou à Câmara, a emenda foi mantida, por acordo de plenário. Mas houve reações do PSol e outras siglas pequenas. O deputado Flávio Dino (PC do B-MA), ex-juiz federal, alertou para o fato de a emenda poder beneficiar o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, condenador por crimes financeiros por supostamente ter beneficiado os bancos Marka e FonteCidam em 1999, durante a desvalorização do real, e, em consequência, absolver o banqueiro Salvatore Cacciola. Dino alega que, se a conduta deixa de ser crime para o agente público, também deixa de ser para o particular que foi beneficiado ou praticou o ato em co-autoria.
 
O PC do B prepara uma minuta de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), caso a emenda não seja vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dino alega que há duas inconstitucionalidades. Primeiro, o tratamento de matéria penal por medida provisória, o que é vedado pela Constituição. Segundo, ele alega que não é possível eliminar a hipótese de culpa por imperícia, imprudência e negligência de agente público, regra prevista no artigo 37 da Constituição.
 
Múcio afirmou ontem que o governo está analisando se há ou não inconstitucionalidade. “Não vai se fazer nada que seja inconstitucional. Em sendo, vai se ver o que é possível”, disse. O ministro admitiu, no entanto, que uma das preocupações do governo é evitar a aplicação da emenda com “segundas intenções”, como alertou Dino. Múcio nega que a emenda pretenda “anistiar” quem cometeu crimes no passado. “Não é anistia. É proteção”, diz.
 
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar sem vetos o projeto que converteu em lei a Medida Provisória (MP) 449, os juízes terão muito mais dificuldades para condenar réus em ações de improbidade administrativa, segundo opinião de especialistas. Atualmente, a Lei Nº 8.429, de 2 de junho de 1992, estabelece 15 condutas, intencionais ou não premeditadas (culposas), que podem impor a uma pessoa perda da função pública que exerce, suspensão dos direitos políticos por até dez anos, ressarcimento integral dos danos ao patrimônio público e multa. Mas a emenda recentemente aprovada por ampla maioria de senadores e deputados limita essas penalidades aos casos de comprovado dolo (intenção de agir) ou má-fé.
 
A advertência foi dada pelo procurador regional da República em São Paulo, Marcelo Moscogliato. Especialista em direito penal econômico, ele explicou que o artigo 10 da Lei 8.429 de 1992 prevê que é ato de improbidade administrativa conduta que traga prejuízo ao erário, sendo ação ou omissão, dolosa ou culposa. “Se essa norma não for vetada pelo presidente, vai haver uma repercussão importante no âmbito civil para a punição dos agentes que causam prejuízos ao patrimônio público. Agora, basta a culpa para condenar. Sem o veto, terá de ser provado o dolo ou a má-fé, o que é muito mais complicado”, explicou.
 
No aspecto criminal, a alteração do texto original da MP 449, aprovada no Congresso, também mudou o Código Penal. O artigo 23, que trata da exclusão da ilicitude das condutas, poderá beneficiar “agentes públicos incumbidos da execução de medidas excepcionais com o propósito de assegurar liquidez e solvência ao sistema financeiro, de regular o funcionamento dos mercados de câmbio e de capitais e de resguardar os interesses de depositantes e investidores”. Para Moscogliato, a jurisprudência já admite essa interpretação, o que faz da iniciativa do Congresso mera repetição do que já existe no atual sistema legal brasileiro.

Veículo: Valor Econômico