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PERSPECTIVA MACRO: Spreads limitam efeito da queda da Selic sobre o crédito

Por Antonio Perez

 São Paulo, 30 de janeiro de 2009 A perspectiva de alta da inadimplência deve entupir os canais de transmissão da política monetária, impedindo que a queda da taxa básica de juros (Selic) se transforme em crédito mais barato para consumidores e empresas. Mesmo com custos de captação em trajetória declinante, os bancos mantêm as taxas elevadas aos clientes.
 
O avanço do spread bancário (diferença entre a taxa de captação e taxa cobrada aos clientes) gera polêmica e ameaça os planos do governo de reavivar a economia com uma política monetária anticíclica. O próprio presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, já alertou que o avanço dos spreads pode empalidecer o poder expansionista do corte de juros.
 
Para o economista Bruno Rocha, da Tendências Consultoria, em uma perspectiva “otimista” os juros na ponta caem em magnitude menor que o recuo da Selic. Em uma avaliação “realista”, o spreads seguem em alta e seguram as taxas ao tomador final de crédito nos níveis atuais, apesar do afrouxamento monetário.
 
“A alta presente da inadimplência e a perspectiva de elevação manterão os spreads elevados”, afirma Rocha. O documento mais recente sobre a composição do spread bancário é o “Relatório de Economia Bancária e Crédito” do BC, publicado em 2007. O documento mostra que a inadimplência representa 37,35% da formação do spread, seguida por custo administrativo (13,5%), impostos diretos (10,53%), impostos indiretos (7,81%) e compulsório sobre depósito vista (3,54%). O chamado resíduo líquido representa 26,93%.
 
Dados do BC mostram que em dezembro a inadimplência, medida pelas operações com pagamentos atrasados a mais 90 dias, atingiu 4,4% do crédito referencial, alta de 0,2 pontos percentuais no mês e de 0,1 ponto em 2008. A inadimplência para pessoas físicas atingiu 8,1%, com alta de 0,3 ponto em dezembro e de 1,1 ponto no ano passado. No caso das empresas (pessoas jurídicas), a inadimplência atingiu 1,8%, avanço de 0,1 ponto em dezembro, mas queda de 0,2 ponto no acumulado do ano passado.
 
A alta da inadimplência, contudo, veio combinada com uma queda dos custos de captação, o que deveria segurar os spreads. O custo de captação caiu de 13,9% (novembro) para 12,6% em dezembro, mas os juros médios cobrados desceram menos na mesma base de comparação (de 44% para 43,2%), graças a uma elevação do spread médio para 30,6 pontos em dezembro (era de 30,1 em novembro).
 
“A inadimplência é relevante para a formação dos spreads, mas boa parte da alta é abuso do poder econômico dos bancos”, diz Roberto Troster, sócio da consultoria financeira Integral Trust e ex-economista da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
 
No caso do crédito a pessoas jurídicas, não se vê elevação dos spreads para as grandes empresas, cujo poder de negociação é mais elevado, mas para as médias e pequenas, que sofrem com o “abuso” dos bancos. Troster recomenda um monitoramento mais detalhado das operações de crédito e intervenção do BC quando houver constatação de uma instituição financeira se aproveita da falta de concorrência para encarecer o crédito.
 
Em contrapartida, o BC poderia reduzir os compulsórios bancários e propor a eliminação a tributação sobre as operações de crédito. Além de baratear o custo do dinheiro, as medidas tornariam mais clara a composição dos spreads, facilitando a identificação de abusos.
 
Diante das pressões, a Febraban contratacou, questionando a metodologia do BC para cálculo dos spreads. Segundo a Febraban, as operações que balizam as medidas de spread divulgadas pelo BC representam apenas 45,5% do total das operações de crédito.
 
No caso da pessoa física, por exemplo, a autoridade monetária leva em conta 51,5% das operações. O BC não observa, segundo a Febraban, as operações de leasing, do crédito habitacional (com recursos da poupança) e a categoria “outras operações”.
 
No caso da pessoa jurídica, o BC analisa apenas 41,9% do total. Ficam de fora repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), leasing, crédito rural e as outras operações. Além disso, diz a Febraban, a parcela utilizada para medir o spread nas operações de pessoas físicas tem apresentado menor crescimento nos últimos meses. Para a entidade, “produtos com taxas mais altas e mais sensíveis a flutuações de curto prazo”, como crédito pessoal e cheque especial, “estão super-representados na amostra utilizada pelo BC.”
 
Com a inclusão das outras operações, o spread de pessoas físicas cai de 45 pontos percentuais para 35,7 pontos. “O spread da Febraban também é mais estável, pois reduz efeitos das operações de curto prazo”, afirma a entidade. No caso da pessoa jurídica, a metodologia da Febraban derruba o spread de 18,3 ponto para 14 ponto Com o novo cálculo, o spread médio desce de 30,6 pontos para 22,5 pontos. “A metodologia do BC tem viés de alta”.
 
Para Troster, não há “nada de errado” com a metodologia do BC. Ele também vê certa miopia no aumento do spread em um momento em que as empresas enfrentam dificuldades, devido crise externa. Os spreads mais altos e a manutenção das taxas ao tomador final, apesar da queda do custo de captação, carreiam mais água para o moinho da inadimplência. Forma-se um círculo vicioso de aumento do custo de crédito e da inadimplência. “Estamos começando a entregar nessa bola de neve. Os bancos não podem ter uma visão tão imediatista”, diz o economista.
 
Para tentar estimular o crédito e forçar os bancos privados a diminuir as taxas medida que a Selic recue, o governo promete derrubar os juros dos bancos públicos. Hoje, as instituições públicas respondem por cerca de um terço das operações do crédito.
 
Segundo o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a estratégia deve puxar o custo médio do crédito para baixo nos próximos meses. “A Selic tem um peso importante na formação das taxas para empresas e pessoas físicas. Mas é preciso que o governo utilize o poder dos bancos públicos”, diz.
 
Para Bruno Rocha, da Tendências, há espaço para que haja uma redução dos spreads dos bancos públicos, mas a política tem que ser parcimoniosa. Os bancos não podem ignorar o risco da inadimplência, sob pena de ter a saúde financeira abalada. Ele não acredita que a ação das instituições públicas tenha efeito relevante para o barateamento do crédito. “Não vejo uma redução das taxas de juros cobrada dos clientes tão cedo. Os spreads devem continuar a subir até pelo menos o fim do primeiro trimestre”, afirma.

Veículo: Agencia Leia