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Para as montadoras, o ano acabou em setembro

A queda foi realmente brutal. Em novembro, a indústria automobilística vendeu 177.823 unidades, uma retração de 25,7% em relação a outubro, quando foram vendidos 239.236 veículos. O fato representou forte reversão de tendência, pois, até setembro, o setor acumulou nove meses consecutivos de alta no consumo, com o primeiro recuo em outubro. Porém, como em novembro a indústria agravou ainda mais o fraco desempenho de outubro, montadoras e revendas fecharam o mês passado com 305,6 mil veículos em estoque, o que significa 56 dias de vendas. Essa marca só não é pior do que a atingida em setembro de 2001, quando o estoque era suficiente para 57 dias de venda. Em outubro, esse estoque correspondia a 38 dias de vendas. Sem esquecer que esse estoque alcançou tal dimensão apesar de as quatro grandes montadoras realizarem feirões. Os carros imobilizados nos pátios valem R$ 12 bilhões.

A reação do governo frente a esse fato foi apenas repetitiva. O presidente Lula disse que, apesar de o governo ter oferecido novos créditos para os bancos das montadoras, as vendas não melhoraram. O presidente culpou as financeiras, que “aumentaram a entrada do carro e diminuíram o número de prestações”. Na visão do presidente, as financeiras, mesmo com a ajuda do governo, “ao invés de facilitarem, dificultaram a venda do carro”. Em outras palavras, o governo repassou o problema para as financeiras.

Essa perspectiva oficial sobre a violenta queda das vendas é estranha. Culpar apenas as financiadoras pelo problema causa espécie quando o governo age exatamente como elas, dificultando o crédito. Na quinta-feira, o governo publicou a Medida Provisória 449, aumentando a carga tributária e o custo do financiamento nas operações de leasing para a compra de bens duráveis. A decisão impõe a cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de leasingfeitas por pessoa física, quando a soma do crédito feito ultrapassa 75% do preço do bem. Antes da MP 449, essas operações eram isentas de IOF. A medida atinge diretamente a venda de automóveis, dona de 85% da carteira de leasing. A MP depende de regulamentação do Ministério da Fazenda, mas o procurador-geral da Fazenda a justificou como equiparação das operações de leasing às de crédito direto. Essa medida foi proposta quando o governo queria frear a demanda.

As montadoras, por seu lado, parecem conformadas ao problema. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) admitiu que se em 2009 o mercado “ficar do tamanho deste ano, já estará bom”. Até setembro a entidade previa crescimento entre 5% e 10% para o próximo ano. Para a Anfavea, a culpa pela queda das vendas está na redução do crédito, que inibe a comercialização do carro usado, e na forte queda de confiança do consumidor, causada pela crise financeira global, análise bem próxima da feita pelo presidente Lula. Apesar dessa semelhança interpretativa com o governo, o presidente da Anfavea lembrou que a indústria “fará o máximo para não demitir”, sem deixar de mencionar que “quem faz o posto de trabalho, em última instância, é o consumidor”. Ou seja, a indústria não demitirá se o governo garantir renda suficiente à sociedade para que o consumo permaneça, sem dizer que o Banco do Brasil e a Nossa Caixa já repassaram R$ 4 bilhões cada um ao setor.

?? indiscutível que o setor automobilístico enfrenta uma crise mundial. O mês de novembro derrubou as vendas de veículos em 26% na Argentina, em 18% no México, em 49% na Espanha, em 30% na Itália e em 18% na Alemanha e no Japão, segundo os dados da Anfavea. Já nos Estados Unidos a crise no setor provocou cenas inéditas. Na segunda ida ao Congresso, os executivos da General Motors, da Ford e da Chrysler aumentaram o pedido para o socorro oficial para US$ 34 bilhões. Na primeira, quando os mesmos executivos foram até Washington em seus jatinhos particulares, o pedido era de US$ 25 bilhões. Como os parlamentares deixaram bem claro que queriam a fabricação de carros híbridos, elétricos e com menor consumo de gasolina, as montadoras empurraram a conta do projeto para o governo, aumentando o pedido em US$ 9 bilhões. O senador democrata Chris Dodd, presidente do comitê bancário do Senado, favorável ao socorro às montadoras, apenas admitiu que as novas propostas dos executivos deixaram “muitas perguntas sem respostas”.

A rigor, o mundo discute um socorro às montadoras de automóveis e a situação no Brasil não é diferente. Porém, o que salta aos olhos é que tanto o setor automobilístico brasileiro como as autoridades parecem querer assistir ao enredo da crise do lado da platéia e não atuando no palco. Esse, definitivamente, não é o melhor caminho.

Veículo: Gazeta Mercantil Editorial 8/12/08 Estado: SP