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Os tributos nos tribunais

Carlos Alberto Sardenberg*

Há 14 anos, uma companhia de leasing de São Bernardo do Campo (SP) financiou um carro vendido por uma concessionária em Tubarão (SC). Recolheu o Imposto sobre Serviços (ISS, tributo municipal) na cidade em que estava sediada. A prefeitura de Tubarão, porém, argumentou que o ISS era devido na cidade em que o veículo fora vendido ou registrado. E mandou ver uma autuação de R$ 6 mil.

A companhia de leasing foi para os tribunais e, surpresa, acaba de ganhar o caso, neste ano. O Superior Tribunal de Justiça confirmou a tese de que o ISS deve ser recolhido na sede da empresa de leasing e, mais, determinou que a prefeitura devolva os valores cobrados indevidamente, assim como os depósitos judiciais já sacados.

A prefeitura de Tubarão disse que simplesmente não tem dinheiro para devolver nada. Seriam cerca de R$ 30 milhões. Não, aqueles R$ 6 mil não sofreram essa multiplicação. Ocorre que a prefeitura cobrou de todas as demais companhias de leasing que faziam negócios na cidade — e todas foram beneficiadas pela última decisão da Justiça. Na verdade, são milhares de casos espalhados pelo país, pois, como era de se esperar, outras prefeituras embarcaram na mesma prática. Em resumo, é possível que todas as companhias de arrendamento mercantil tenham sido cobradas e/ou autuadas — o que obviamente encareceu a operação de crédito.

Todas também adquiriram direito à devolução. Sem condição, argumentam as prefeituras. Essas empresas vão ter que entrar na fila do precatório — esse mesmo que todos os governos (federal, estaduais e municipais) passam o tempo todo tentando não pagar. Como o precatório é um pagamento que a Justiça impõe aos governos, reconhecendo o crédito das pessoas e empresas contra o setor público, não pagá-lo é um duplo calote — que ainda vai gerar um precatório do precatório.

Se apenas a prefeitura de Tubarão tem que devolver R$ 30 milhões, imaginem o tamanho da conta nacional.

A boa prática administrativa indicaria que a prefeitura não deveria gastar o dinheiro de um imposto que estava sendo contestado na Justiça. Mas a coisa foi pior: muitas prefeituras, como a de Tubarão, conseguiram nos tribunais o direito de sacar e gastar os depósitos judiciais, dinheiro que o contribuinte precisa deixar depositado para tocar a ação judicial.
Simplesmente, as prefeituras conseguiram o direito de torrar a garantia. E, agora, dizem que não é possível devolver.

Quer dizer, esses contribuintes levaram 14 anos para demonstrar que não precisavam pagar aquele ISS e vão levar muito mais para receber o que pagaram indevidamente, se é que vão receber. Lembram-se daquele debate — em torno do julgamento do mensalão — sobre a quantidade de recursos? Pois é a mesma coisa nessas pendências tributárias.

Todo dia está rolando um caso desses. Só de uma olhada nos jornais da semana: o Supremo Tribunal Federal está julgando, desde 2009, se os governos estaduais podem cobrar o ICMS sobre contratos de leasing de mercadorias importadas. Repararam? Todos querendo tirar casquinha do leasing.

O mesmo STF está julgando se a prefeitura do Rio pode cobrar ISS sobre as apostas feitas no Jockey Club Brasileiro (se decidir que pode, prefeituras de todo o país vão cobrar o ISS até de rifa de igreja).

O sistema tributário brasileiro é o pior do mundo, segundo a pesquisa “Fazendo Negócios”, do Banco Mundial. Não se trata da carga tributária, que é muito elevada para um país emergente. Trata-se, naquela pesquisa, do custo que as empresas têm para se manter em dia com suas obrigações fiscais. Calcula-se que uma empresa média brasileira gasta 2.600 horas/ano nisso.

É tão complexo o sistema que tudo acaba sendo discutido. Empresas têm espaço para tentar planejar e pagar menos, mas as receitas e procuradorias fiscais têm mais ainda para cobrar. Cobradas na Justiça, as empresas ficam diante de dois pesadelos: o tributário e a disputa nos tribunais. Segundo a mesma pesquisa, o Judiciário brasileiro também está entre os mais custosos do mundo.

No fim do ano passado, o governo federal arrecadou um bom dinheiro ao dar uma anistia parcial a grandes companhias, incluindo multinacionais brasileiras, que estavam sendo cobradas por impostos de renda e outros. Se desistissem das ações e pagassem um tanto à vista, o caso estava encerrado. Muitas companhias, como a Vale, que sustentavam suas teses há anos, simplesmente desistiram.
Pagaram para ficar só com um pesadelo, pelo menos por um tempo.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Fonte: Jornal O Globo – edição de 6/03/2014