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Os sinais da economia ainda estão confusos

A crise financeira – que era internacional, mas apertou e encareceu o crédito por aqui – fez recrudescer o debate sobre qual o papel do Banco Central na condução da política monetária e se o Comitê de Política Monetária (Copom) deve ou não elevar a taxa básica de juros na próxima reunião. Essa “próxima” reunião ainda demora quase um mês. Até lá, o quadro da crise externa e, principalmente, o cenário do nível de atividade doméstico estarão mais claros. Por enquanto, ambos estão confusos.

Enquanto o mundo espera a decisão dos deputados americanos sobre o pacote e – se esse for aprovado – os desdobramentos de sua aplicação, produção e consumo internos complicam a avaliação do Copom. Esta semana foi típica de indicadores que não permitem uma avaliação simplista. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem que a produção industrial recuou 1,3% sobre julho, na série com ajuste sazonal, e cresceu apenas 2% sobre igual mês de 2007. A primeira avaliação é que a desaceleração da economia chegou, e chegou com força. Alguns economistas, contudo, têm chamado atenção para o efeito calendário, que não é totalmente neutralizado pela metodologia de ajuste sazonal do IBGE. Agosto deste ano teve 21 dias úteis, dois a menos que julho de 2008 e agosto de 2007, meses em que as fábricas operaram 23 dias com máquinas ligadas.

Em contraponto ao dado de agosto do IBGE, setembro trouxe dois sinais de consumo ainda forte. As vendas de automóveis (medidas pelo número de emplacamentos) cresceram 31,7% sobre setembro de 2007 e 9,8% sobre agosto. De novo, em setembro, há uma diferença de dias úteis: foram 22 este ano e 19 no ano passado. As vendas do comércio paulistano também sugerem um mês bom para o varejo, ainda ancoradas no crediário: as consultas ao serviço de proteção ao crédito cresceram 16% sobre setembro do ano passado, enquanto as consultas ao serviço de proteção ao cheque subiram 6,6% na mesma comparação. Nas contas da LCA Consultores, a produção industrial em setembro vai crescer 1% sobre agosto e 9% sobre igual mês de 2007, indicando que um terceiro trimestre mais acelerado que o segundo. Ao mesmo tempo, observa a consultoria, pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que 93 das empresas consideram seu atual nível de estoques como normal e apenas 2% o consideram insuficiente. Em outras palavras, a indústria está tranqüila para atender seus clientes.

O Banco Central não tem como meta enfraquecer o consumo doméstico, mas as atas do Copom têm sido claras quanto à preocupação da autoridade monetária em relação ao excesso de demanda quando comparado à capacidade da indústria doméstica e das importações. O movimento de juros foi iniciado em abril, momento no qual o Copom entendeu que a inflação já trazia sinais de que os preços subiam também estimulados pelo consumo e não apenas por eventuais choques de oferta. Mirando a inflação, o BC começou a agir para enfraquecer a demanda.

Muitos economistas estão convencidos que o atual aperto de liquidez externa e doméstica vai fazer uma parcela expressiva do papel destinado ao Banco Central. De certa forma, o próprio sistema financeiro nacional está andando neste caminho ao elevar fortemente o custo do crédito em reais e ao preferir recolher ao BC os reais que “sobram” no mercado no lugar de emprestá-los aos tomadores de crédito. Ontem, no Valor, a repórter

Cristiane Perini Lucchesi registrou que os R$ 13 bilhões que foram liberados pela postergação de regras do depósito compulsório sobre operações de leasing (uma tentativa do BC de irrigar o mercado depois que empresas de diferentes portes reclamaram da falta de recursos para capital de giro e do encarecimento destas linhas) não chegaram ao setor produtivo, porque os bancos, cautelosos, optaram por emprestá-los ao Banco Central.

De acordo com recente nota à imprensa do BC sobre o sistema financeiro e operações de crédito, em agosto os bancos mantinham empréstimos de R$ 797,8 bilhões (operações realizadas com recursos livres), que correspondiam a 71,9% do total da carteira do sistema (outros R$ 312,5 bilhões eram recursos direcionados, emprestados via BNDES, crédito rural e habitacional).

Entre os recursos que os bancos emprestam livremente, as pessoas jurídicas tinham saldo de R$ 348 bilhões, sendo R$ 74,6 bilhões lastreados em recursos externos – o restante, tudo em reais. Os financiamentos para pessoas físicas eram de R$ 375,2 bilhões, sem informações sobre o funding, se em reais ou em moeda estrangeira. Do total livremente emprestado pelos bancos às empresas, então, 17,6% eram atrelados ao câmbio. No total dos empréstimos livres, e considerando que todo funding às pessoas físicas seja em reais, o percentual cairia para 9,3%.

Há razão na cautela dos bancos em segurar empréstimos quando há pouca dependência de recursos externos? Há razão na seletividade quando o calote é baixo e está comportado? Os atrasos (mais de 90 dias) relativos às pessoas jurídicas se mantiveram no patamar de 1,7% em agosto, enquanto aqueles correspondentes às pessoas físicas subiram 0,2 ponto percentual, ficando em 7,5%.

O fato é que, conscientemente ou não, os bancos estão dando razão às avaliações de que a contração de crédito vai segurar a demanda e, portanto, seria dispensável uma nova rodada de aumento de juros. A questão é que, por enquanto, essa é uma projeção, enquanto os dados de consumo de setembro são uma realidade.

A inflação, antes que o Copom esqueça dela, é outra realidade. E ela está em queda, junto com as projeções para o comportamento futuro dos preços. No início de agosto, o mercado esperava 6,54% para a inflação deste ano, medida pelo IPCA. Hoje, já se espera 6,14% – uma revisão de 0,4 ponto feita em um período curto de tempo e faltando poucos meses para o encerramento do ano. E o câmbio? Bom, pelas projeções, se o dólar ficar perto de R$ 1,80, haverá impacto na inflação. Diante disso, como o BC vai decidir se aumenta ou não os juros? Atividade real ainda forte, mas inflação atual em queda? Previsão de desaceleração futura com inflação futura em alta? Atividade real forte, inflação futura em alta? Ainda bem que ainda faltam 25 dias para o próximo Copom.

Veículo: Valor Econômico Brasil 03/10/08 Estado: SP