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Nova lei aperta mais o cerco contra paraísos fiscais

Uma pequena alteração gramatical promovida pelo governo na lei que estabelece regras para as operações feitas com países de tributação favorecida – os chamados paraísos fiscais – restringirá ainda mais qualquer possibilidade de as empresas brasileiras realizarem planejamentos fiscais “internacionais” sem arcarem com uma carga tributária maior. A Lei nº 11.941, resultado da conversão da Medida provisória nº 449, deixou claro em seu texto que, para ser caracterizada como operação em regime fiscal privilegiado, basta que ela seja enquadrada em um dos quatro itens presentes no artigo 24-A da Lei nº 9.430 – e não cumulativamente, como argumentavam alguns tributaristas. Com o “esclarecimento” trazido agora pela nova lei, as operações comerciais de empresas brasileiras que “esbarrem” em apenas um desses itens serão tributadas pelas regras de preços de transferência, mesmo que a empresa estrangeira não seja coligada ou relacionada. Na prática, o resultado é uma tributação maior, pois os valores utilizados para fins de cálculo do Imposto de Renda (IR) serão sempre os de mercado, ainda que os valores, seja na importação ou exportação, tenham sido menores.

O entendimento da Receita Federal sobre regimes fiscais privilegiados, dentre outros pontos estabelecidos em lei, inclui empresas ou operações que não sejam tributadas ou tenham alíquota máxima inferior a 20%, que não tenham substância econômica, que apliquem uma alíquota inferior a 20% sobre rendimentos auferidos no exterior e que não permitam o acesso às suas composições societárias ou às operações econômicas realizadas. O advogado do escritório Veirano Advogados, Marco Antônio Moreira Monteiro, entende que a intenção da alteração na lei foi a de deixar claro que operações com qualquer uma dessas características enquadram-se na tributação pelas regras de preços de transferência. Nesse sentido, diz, não há mais como os contribuintes argumentarem que seria necessário acumular todas as possibilidades citadas na norma para a operação praticada ser considerada como “privilegiada”. Alguns advogados entendiam que, por uma leitura literal do texto anterior, era possível chegar-se a essa conclusão. “Agora não há mais o que argumentar”, diz Monteiro.
 
Para o professor de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres, a alteração está correta, pois corrige o entendimento de que existiria a necessidade de cumulatividade dos itens, o que dificilmente seria preenchido. Para fins de política fiscal, afirma, a medida é adequada. Para o tributarista Eduardo Fleury, do escritório Fleury Advogados, reunir todos os itens da lei para caracterizar o regime privilegiado era algo praticamente impossível e, por isso, não faria sentido ser esse o entendimento do fisco – ainda que as empresas pudessem argumentar o contrário. Segundo ele, porém, se for considerada uma norma interpretativa, sua aplicação retroativa daria direito às empresas de pagarem o imposto sem a cobrança de juros e multas em caso de autuações.
 
O afunilamento no combate à sonegação e elisão fiscal por meio de paraísos fiscais tem sido uma tendência cada vez maior da Receita Federal, como afirma Marco Monteiro. Ele cita o exemplo dos questionamentos sobre as conhecidas estruturas que “não possuem substância”. Ou seja, a empresa abre uma filial ou companhia em outro país que existe somente no papel, pois o interesse pelo país é apenas por conta das vantagens fiscais oferecidas. A ampliação do conceito de paraíso fiscal ocorreu no ano passado, por meio da Lei nº 11.727 – e o novo entendimento passou a contemplar não só países de baixa tributação, mas também regimes fiscais privilegiados.
 
A advogada Ana Cláudia Utumi, da banca TozziniFreire, afirma que até hoje não está claro o alcance e o sentido dessas modificações. Ela lembra que ainda é aguardada a publicação de uma nova “lista negra” de países considerados paraísos ficais. Para a advogada, o melhor é que as empresas sejam cautelosas e revisem os bancos de dados dos clientes e fornecedores fora do Brasil. “A pessoa jurídica vinculada pode não estar em um paraíso fiscal, mas pode cair no regime fiscal privilegiado”, diz. Neste caso, a empresa correria o risco de sofrer autuações.
 

Veículo: Valor Econômico