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Não há remédio sem efeito colateral

As ações de governos para socorrer bancos e manter as economias funcionando chegaram a ser interpretadas, em um primeiro momento, como a volta do keynesianismo e a morte das políticas neoliberais. Agora, começa a ficar claro que medidas intervencionistas também provocam efeitos colaterais e, portanto, devem ser administradas nas menores doses possíveis, sob pena de criar novos desequilíbrios.

O professor Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, célebre por ter previsto a crise financeira atual, disse há alguns dias que os maciços estímulos fiscais feitos por Estados Unidos, Europa e China vão aumentar os déficits públicos e levar a taxas de juros mais altas no futuro, embora esses incentivos sejam indispensáveis para evitar uma recessão mais profunda.

No Brasil, o Banco Central socorreu bancos com falta de liquidez não com o redesconto, um instrumento clássico de emprestador de última instância, mas com medidas não-ortodoxas, como a liberação dirigida de compulsórios. Embora aparentemente o problema tenha sido resolvido, foram criadas algumas distorções, como o aumento do custo de captação do Tesouro e a queda artificial dos juros dos empréstimos entre os bancos.

O BC liberou R$ 29,5 bilhões em compulsórios para que grandes bancos comprassem carteiras de crédito de instituições financeiras menores com problema de caixa. Como os negócios efetivamente concretizados representavam menos de um terço desse valor, a autoridade monetária puniu os bancos que não compraram carteiras. Até então, os bancos recolhiam o compulsório com a entrega de títulos ao BC, e ficavam com a remuneração desses papéis. Com a nova regra, passaram a cumprir essa obrigação em dinheiro, sem receber remuneração.

A primeira repercussão da mudança foi o encarecimento das captações do Tesouro. Para levantar o dinheiro necessário ao cumprimento do novo compulsório, os bancos venderam os títulos que até então estavam retidos no BC, pressionando os juros. Entre os dias 23 e 24 de outubro, os juros dos títulos incorporaram uma gordura de 0,2 ponto percentual sobre os juros de mercado. O problema foi resolvido em 13 de novembro, quando o BC criou uma demanda por papéis do governo, ao estabelecer que R$ 40 bilhões em compulsórios remunerados, que até então eram feitos em dinheiro, passariam a ser cumpridos em títulos.

A punição criada pelo BC continuou, porém, a produzir distorções, agora nos juros cobrados nos empréstimos entre os bancos. Para salvar as instituições menores, o BC tinha estabelecido que os grandes bancos poderiam fazer depósitos interfinanceiros em bancos com patrimônio de referência de até R$ 7 bilhões. Nesse grupo, estão bancos com problemas, mas também instituições sob as quais não há dúvidas sobre a solvência, sobretudo filiais de bancos estrangeiros.

Os grandes bancos passaram, então, a fazer depósitos financeiros em bancos estrangeiros, que não precisavam de dinheiro, recebendo em troca juros pouco menores do que a taxa Selic. Esses bancos estrangeiros aplicaram o dinheiro no “overnight”, ficando com a diferença das taxas. O resultado foi que, nos últimos dias, aumentou de 0,1 para 0,7 ponto percentual a diferença entre a taxa Selic e os juros dos empréstimos entre os bancos. O BC teve que, mais uma vez, correr atrás do prejuízo, mudando a regra para fechar essa brecha.

Essas são algumas das distorções já documentadas causadas pelo uso dirigido do compulsório, mas não é difícil imaginar como, daqui para frente, os bancos vão poder driblar as regras. A autoridade monetária dispensou do compulsório bancos que captam até R$ 13 bilhões em depósitos a prazo. Executivos de bancos devem, nesse momento, estar bolando formas criativas de fazer captações de depósito à prazo por meio de bancos pequenos.

Em janeiro, o BC teve que tapar um desvão regulatório que permitia que os bancos usassem empresas de “leasing” para escapar dos compulsórios sobre depósito a prazo. Há brechas que continuam abertas. ?? comum bancos oferecerem contas de poupança com resgate automático vinculados a contas correntes, o que muitas vezes é um instrumento para escapar dos compulsórios sobre depósitos à vista.

Não é apropriado censurar os bancos por encontrarem formas criativas de driblar as regras do compulsório. Mundo afora, as instituições financeiras lançam mão das chamadas “arbitragens regulatórias” para escapar das regras rígidas impostas pelos governos. ?? precisamente por esse motivo que controles de capitais, por exemplo, tornaram-se ineficazes ao longo dos anos.

Há uma corrente, inclusive, que argumenta que a crise atual foi causada justamente pela distorções criadas pelo excesso regulatório. Basiléia, por exemplo, um acordo internacional para assegurar a solidez dos sistemas financeiros, exige que o banco separe capital próprio para cobrir os riscos de suas operações mantidas em balanço. Como resposta, os bancos criaram os chamados veículos de investimento, que não passavam de fantoches para carregar operações de crédito fora dos balanços sem agravar as exigências de capitais.

Algumas autoridades chegaram a afirmar que os altos compulsórios vigentes no país se mostraram uma vantagem, pois estão permitindo combater essa crise de liquidez com custos fiscais menores. Na verdade, o Brasil não tinha outro instrumento para usar. Até a edição da medida provisória 442, em outubro, o redesconto estava sustentado em uma base jurídica frágil, que não deixava o BC seguro para usá-lo. Os compulsórios, entre outras distorções, encarecem o crédito, respondendo por 3,6% do chamado spread bancário. ?? expressão de atraso, não de desenvolvimento econômico.

Veículo: Valor Econômico Brasil 1/12/08 Estado: SP