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Leia o artigo de Renato Nunes, sócio de Nunes e Sawaya Advogados e autor do livro “Tributação e Contabilidade”

Publicado pelo jornal Valor Econômico na edição de 20/9/2013.

Receita e IFRS: uma novela que não acaba

O governo federal vem dando cada vez mais sinais de que não sabe como lidar com o processo de convergência dos padrões contábeis brasileiros aos internacionalmente praticados, propostos pelo IASB, por meio dos famosos “IFRSs”, que, aliás, é da máxima importância para a economia brasileira.

Como vem se noticiando, a “nova” contabilidade dá lugar a um sem número de mudanças nos registros contábeis, afetando, dentre outras coisas, tanto as contas patrimoniais quanto as de resultado.

Dado que no sistema jurídico brasileiro uma série de tributos tem a sua apuração baseada em informações produzidas originalmente no sistema contábil, destacando-se o IRPJ, a CSL, a contribuição ao PIS e à Cofins, é natural que qualquer mudança em tal âmbito afete aquele procedimento, seja para o bem, seja para o mal.

Pela interpretação da CVM, a escrituração contábil fiscal será exigida a partir de 2014, mas ficará restrita à Receita. “Ressalta-se que a CVM não recebe informações com critérios tributários. Portanto, dentro da esfera de competência desta Autarquia, no que se refere a padrões e critérios contábeis, as companhias abertas devem seguir a legislação vigente (Lei 6.404) e os normativos da CVM em vigor”.

Provavelmente, por isso, para não perder o bonde da história, enquanto tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei que culminou na edição da Lei nº 11.638, em 2007 – que deu o pontapé inicial no mencionado processo de convergência -, sempre restou registrado que as mencionadas mudanças não poderiam surtir efeitos fiscais, o que de fato acabou contemplado pela lei em causa.

A Lei 11.638 veiculava uma “cláusula de neutralidade” das mudanças contábeis frente às apurações fiscais bastante ampla, cujo único defeito, em nosso pensar, era o fato de ser voltada somente para algumas categorias de contribuintes.

A Receita Federal, porém, não contente com todo o debate que cercou a Lei 11.638 nem com o texto da “cláusula de neutralidade” instituída por esta, manifestou-se em duas oportunidades no sentido de que se algo que não era considerado como receita, mas passou a sê-lo com a “nova” contabilidade, deveria, então, integrar a base de cálculo do IRPJ, causando uma enorme sensação de insegurança no empresariado e nos profissionais que tratam da matéria.

Diante de tal desdobramento, o governo federal reiterou que a convergência da contabilidade brasileira aos padrões internacionais não deveria surtir efeitos, reformando a “cláusula de neutralidade” por meio da Medida Provisória nº 449, de 2008, depois convertida na Lei nº 11.941, de 2009, que passou, então, a valer para todas as pessoas jurídicas e equiparadas, mas com uma abrangência material menor do que a então instituída pela Lei 11.638.

A regra hoje, tal como prevista pela Lei n 11.941, é de “neutralidade” quanto a alterações no regime de reconhecimento de receitas, custos e despesas, não mencionando nada a respeito de contas patrimoniais e outros temas, inexistindo previsão legal para a existência de uma “contabilidade tributária”.

Vem sendo noticiado que o governo deseja acabar com o RTT, motivo pelo qual a Receita Federal iniciou uma série de debates com a sociedade civil, a fim de harmonizar as apurações de tributos com os novos padrões contábeis.

No meio desse processo, a Receita encomendou um parecer à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para que esta se manifestasse a respeito da amplitude do RTT, mais especificamente se deveria existir também uma contabilidade tributária, que se prestaria a todos efeitos nesta seara – apuração de juros sobre capital próprio, aplicação de isenção na distribuição de lucros ou dividendos, avaliação de investimentos etc.

A procuradoria opinou contrariamente ao que a maior parte das empresas vinha praticando, no sentido de aplicar a neutralidade exclusivamente quanto a mudanças no regime de reconhecimento de receitas, custos e despesas, afirmando que, para fins fiscais, toda a contabilidade deveria ser reconstituída segundo os padrões vigentes em 31 de dezembro de 2007, e, a partir dessa nova versão, atribuídos os efeitos correspondentes; por exemplo, o valor de lucros distribuídos excedente ao quanto apurado na “contabilidade tributária” estaria sujeito à tributação.

Ainda existia a esperança de que a Receita não fosse adotar o posicionamento da procuradoria, sobretudo em função da postura que aquele órgão vinha adotando no trato do tema após o “tropeção” que motivou a criação do RTT. Mas eis que no último dia 16 foi publicada a Instrução Normativa nº 1.397 e isso terminou acontecendo.

Como a Instrução Normativa serve de orientação aos auditores-fiscais nos procedimentos de fiscalização e na lavratura de autos de infração, é grande o receio do empresariado de haver questionamentos quanto aos atos praticados desde a instituição do RTT (são quase cinco anos).

Isso sem falar no aumento expressivo de trabalho com a elaboração de mais uma escrituração – para as empresas do setor elétrico, por exemplo, será a terceira escrituração, somando-se à societária e à regulatória – e do disparate de se exigir que seja feita uma nova escrituração também para as informações de empresas no exterior contraladas ou coligadas por ou de empresas brasileiras, mudando um procedimento há longa data sedimentado, qual seja, de se utilizar o balanço elaborado segundo as regras do país de origem.

A Receita Federal, que é conhecida, justamente, diga-se como o órgão mais eficiente da administração pública, cometeu um grande equívoco no trato desse tema, contribuindo com o aumento do chamado risco Brasil e da apreensão do empresariado e de investidores quanto à estabilidade das regras do jogo, o que se agrava mais ainda pelo fato de a nova orientação carecer de amparo na Lei nº 11.941/09, que regula o RTT.