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A inadimplência deve crescer ainda mais. Essa é a expectativa dos agentes com relação ao desenrolar dos impactos da crise. Ainda é aguardado um aumento do desemprego e também uma queda da renda. Esse quadro, no entanto, não é visto como explosivo e o nível de provisão das instituições financeiras é considerado adequado para fazer frente aos novos calotes.
O volume de parcelas em atrasos acima de 90 dias, considerado como inadimplência, atingiu 4,8%, de acordo com dados do Banco Central para o crédito com taxas livres. O valor não é o mais alto da série histórica, 5,7% em setembro de 2000, mas os bancos acreditam que poderá chegar a 5,4% neste ano, conforme revelou a última pesquisa periódica feita pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com opinião de 33 bancos ouvidos entre os dias 19 e 20 de março.
Essa expectativa altista se justifica pela sazonalidade do comportamento do atraso nas pessoas físicas. Em geral, a inadimplência recua no fim do ano, para depois apresentar crescimento nos primeiros meses do ano seguinte. O pico, em geral, acontece em maio, explica Fernando Manfio, sócio-diretor da Witrisk, empresa especializada em gestão de risco.
Segundo ele, o volume de atrasos já apresentava crescimento desde o primeiro semestre de 2008, ou seja, antes mesmo do agravamento da crise o nível já estava mais alto do que no ano anterior. “Ao longo de todo ano de 2008 os dados andaram acima de 2007 e agora estamos acima dos números do ano passado.”
Com mais de 30 clientes entre financeiras e varejistas, Manfio afirma que essa elevação dos atrasos ocorrida entre janeiro e março, além de seguir tendência anterior, ainda não decorre de uma queda da renda ou do emprego. “É mais pelo susto das pessoas com a crise. Elas querem manter seus próprios recursos. Ainda é cedo para termos atrasos por conta de queda de renda.”
Já começam a aparecer, no entanto, evidências de que a perda de emprego passa a ter influência. Pesquisa realizada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) aponta que o principal motivo da inadimplência no último mês foi o desemprego, citado por 48% das pessoas ouvidas. Em segundo lugar aparece o descontrole de gastos (12%). Apesar disso, a pesquisa indica que 65% dos pesquisados não se encontram desempregados.
Os estragos têm sido maiores em instituições sem uma gestão adequada de risco, isto é, sem modelagem estatística, política crédito, segmentação de carteira e uma cobrança adequada.
Manfio ressalta, no entanto, que há um fator estatístico que distorce um pouco a série devido à queda na concessão. Isso porque, com a diminuição do estoque, aumenta relativamente a parcela em atraso em relação ao crédito pago em dia. No caso de veículos, essa distorção é ainda maior devido à migração para o leasing, cujos dados não entram no cálculo do BC.
Outro fator de risco são os atrasos das faixas anteriores à inadimplência. Dados do Banco Central apontam que as parcelas em atraso entre 15 e 90 dias cresceram mais do que os atrasos acima de 90 dias (que tecnicamente é chamado inadimplência).
Esse índice atingiu 4,5% em fevereiro, maior valor da série histórica, e poderiam evoluir mais se as condições da economia piorarem, atingindo o patamar da inadimplência. No cheque especial, por exemplo, os atrasos entre 15 e 90 dias atingiram 5% da carteira, maior nível histórico.
Por enquanto, diz Manfio, essa migração das faixas iniciais de atrasos ainda não vêm acontecendo. “Se as condições econômicas continuarem piorando, com aumento de desemprego e queda da renda, pode haver uma piora na inadimplência.” Outro problema, diz ele, é que o processo de cobrança está menos flexível, o que agrava essa tendência.
Segundo avaliação da Banif Securities, o nível de inadimplência está se tornando uma preocupação importante. Apesar de ainda ser baixa, cresceu 3,1% em relação a janeiro e 34,6% em relação a fevereiro de 2008, disse analistas da instituição em relatório para clientes. “Houve uma pequena deterioração da carteira de crédito com as carteiras classificadas como “A” e “AA” diminuindo de 63,8% do total para 62,3%.”
De fato, a preocupação existe, mas a visão é de que as medidas tomadas em termos de aumento das provisões sejam suficientes. A Banif Securities ressalta que as provisões equivalem a 6,4% da carteira total, sendo suficiente para fazer frente à inadimplência. Apenas as provisões adicionais de crédito no quarto trimestre feitas por Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Bradesco somam mais de R$ 5 bilhões.
A equipe de pesquisa do Banco Espírito Santo de Investimento afirma que o aumento da inadimplência registrado no segmento de pessoa jurídica é um reflexo da revisão de rating das empresas que os bancos, em especial os médios, fizeram em seus balanços no último trimestre do ano passado.
“A nossa visão para os números de crédito apresentados pelo Banco Central é de cautela em especial pelo aumento da inadimplência e redução dos spreads, mas ao mesmo tempo é um reflexo daquilo que os bancos sinalizaram em seus balanços de resultado no quarto trimestre de 2008”, diz o texto.
Também em relatório, José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, afirma que a inadimplência para pessoa física continuou em alta, mas num ritmo mais modesto em fevereiro. Para pessoa jurídica, a alta foi maior. “São notícias boas a diminuição do ritmo de alta da inadimplência, a queda de spread bancário e alta dos prazos de empréstimos para pessoa físicas. No entanto, elas não são boas o suficiente para compensar a continuada queda nas concessões de crédito.”
Veículo: Valor (RJ)