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Herança maldita – Por Fernando Canzian

FEZ BEM o presidente Lula em ficar “puto” com a “porretada” que o emprego levou em dezembro, segundo relatou o amigo Kennedy Alencar nesta Folha.

 Pois, para o Brasil, a crise mal começou.
 
No conjunto, EUA, zona do euro e Japão já apontam para uma retração de 2% em 2009. As más notícias são tantas que demissões de 5.000 ou mais ocupam cada vez menos espaço nos jornais.
 
Os países avançados já dispararam quase todo o arsenal disponível. Os juros estão no chão, trilhões foram injetados nos bancos e mais trilhões são prometidos. Instala-se agora o temor não só de uma depressão mas de uma limitação na capacidade dos governos de se endividarem indefinidamente para salvar os bancos.
 
A crise não dá trégua porque ela é uma crise de falta de crédito. Crédito que alimenta consumo, investimentos e que rola dívidas. Grandes bancos nos EUA (e no Reino Unido) só não quebraram ainda por uma razão: contam com mais e mais dinheiro público.
 
A crise é de tal ordem que a discussão é se a provável nacionalização de ícones norte-americanos como Citigroup e Bank of America e do britânico Barclays será explícita ou velada. São tempos extremos, que requerem medidas igualmente extraordinárias. Por isso, e antes que ela passe, essa é a melhor oportunidade de o Brasil enfrentar com transparência a pior e mais arraigada herança dos velhos tempos de caos econômico: o “spread” bancário e os mitos que o protegem.
 
Não existe homem de finanças no Brasil que não reconheça as melhoras estruturais a partir de 2003. Dos 1.270 pontos há seis anos, o risco-país caiu a 420. As reservas internacionais foram de US$ 55 bilhões a US$ 206 bilhões.
 
De devedor ao FMI, o país virou credor externo. A classe C engordou em 41 milhões de pessoas e já é maioria.
 
Mas, no crediário brasileiro, uma geladeira ainda pode custar duas. Mesmo assim, o volume de crédito quase dobrou em seis anos, e foi esse crédito que alimentou o crescimento que agora murcha.
 
Os bancos e financeiras dizem que o “spread” vem caindo. É verdade, mas ainda é absurdo. Dados do Banco Central mostram o “spread” para pessoas físicas no final de 2008 em 40 pontos percentuais. Ou seja: o banco paga 15% ao ano por real captado e cobra 55% ao emprestá-lo.
 
O BC conta só parte da história, pois não inclui no cálculo modalidades como cartões de crédito eleasing. No conjunto do mercado, o juro em dezembro era de 138%, e o “spread”, muito maior do que o apurado pelo BC.
 
Em alguns dias os bancos farão conhecer seus balanços de 2008.
Os resultados podem ajudar a jogar mais luz nessa discussão.
 
FERNANDO CANZIAN é repórter especial da Folha.
 

Veículo: Folha de São Paulo