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Farmacêuticas veem cura para as vendas nos mercados emergentes

Recentemente, enquanto Julio Rodríguez fazia uma visita de vendas a uma clínica desta favela da grande Caracas, quatro disparos ecoaram numa viela próxima.

 Para Rodríguez, os tiros são parte da rotina. Como representante da farmacêutica americana Pfizer Inc. na Venezuela, sua rota de vendas o coloca numa das vizinhanças mais perigosas da América Latina. Para evitar atrair atenção indesejada ele usa camisa pólo com um símbolo vermelho, a cor dos partidários do presidente Hugo Chávez.
 
Rodríguez faz parte de uma mudança estratégica na indústria farmacêutica mundial, um setor que fatura US$ 770 bilhões por ano. O alvo são os trabalhadores pobres do mundo em desenvolvimento.
 
Pela primeira vez em 50 anos a previsão é que as vendas de remédios com receita devem cair este ano nos Estados Unidos, historicamente o maior e mais lucrativo mercado da indústria farmacêutica. A tentativa do governo do presidente Barack Obama e do Congresso de aprovar a reforma do sistema americano de saúde, com medidas que podem baixar o custo dos medicamentos, deve aumentar ainda mais a pressão sobre as operações americanas da farmacêuticas multinacionais.
 
O resultado é que países em desenvolvimento como a Venezuela se tornaram mais atraentes para as farmacêuticas. As vendas de remédios com receita em mercados emergentes chegaram a US$ 152,7 bilhões em 2008, ante US$ 67,2 bilhões em 2003, segundo a firma IMS Health, que acompanha o setor. Sua previsão é que as vendas devem quase dobrar até 2013, para US$ 265 bilhões.
 
 Juntamente com um punhado de outras farmacêuticas, como a britânica GlaxoSmithKline PLC, a suíça Novartis AG e a francesa Sanofi-Aventis SA, a Pfizer está entrando agressivamente no mercado dos países em desenvolvimento. Além da Venezuela, a empresa está-se expandindo no Brasil, China, Índia, Rússia e Turquia. Ela obteve receita de US$ 1,4 bilhão nos mercados emergentes no primeiro trimestre deste ano. Ainda é uma parcela pequena dos US$ 10,8 bilhões de faturamento total no período, mas é uma fatia que a Pfizer se declara determinada a expandir.
 
Até pouco tempo atrás, as farmacêuticas que operavam nos países emergentes atendiam principalmente à demanda dos ricos e da classe média. Agora a Pfizer se voltou para os pobres, ou o que classifica em suas discussões internas de marketing como “a base da pirâmide”. Seu projeto na Venezuela é um exercício para encontrar maneiras de reduzir os preços suficientemente para atrair clientes mais humildes e continuar tendo lucro.
 
“Existe uma economia própria dos barrios”, diz Rafael Mendoza, o homem que a Pfizer colocou no comando da estratégia venezuelana, usando o termo do país para favelas enquanto aponta as antenas de televisão via satélite e os aparelhos de ar condicionado espalhados pelas casas de Petare.
 
Mendoza começou há dois anos a traçar os planos de um programa piloto que envolvia a contratação de representantes comerciais em Petare. Mais de 1 milhão de pessoas moram na maior favela de Caracas, formada por casas coloridas encravadas na encosta de uma montanha com vista para a capital venezuelana.
 
Mendoza decidiu contratar alguém da favela que conhecesse a vizinhança e fosse um alvo menos óbvio para os ladrões. Um dos assistentes administrativos do escritório da Pfizer em Caracas convenceu Rodríguez, seu primo, a se candidatar para a vaga.
  
Rodríguez não se empolgou inicialmente e lembra que considerava os vendedores das farmacêuticas “esnobes” que ignoravam os pacientes enquanto transitavam pelos lotados consultórios médicos. Ele também se sentiu intimidado pelo conhecimento científico que teria de ganhar e temia a possibilidade de não se encaixar numa multinacional.
 
Mas acabou sendo difícil demais descartar a oportunidade. Com quatro irmãos, Rodríguez foi criado em Petare por uma mãe solteira que ficou impossibilitada de trabalhar por um problema no ombro. Ele começou a vender calcinha e sutiã em bancas de camelô aos 15 anos. Em 2006, Rodríguez trabalhava à noite como segurança no metrô de Caracas e de dia como vendedor de materiais de escritório da Canon. Ele se matriculou na faculdade para estudar em meio período e espera obter o diploma de contabilidade em fevereiro.
 
Para poder trabalhar na Pfizer, Rodríguez passou por um treinamento de três meses que considerou puxado. Foi difícil memorizar a terminologia médica. Ele lembra que lhe deram na segunda-feira uma apostila sobre o sistema cardiovascular e disseram que seria testado sobre o conteúdo na quarta-feira seguinte. Uma noite ele começou a chorar enquanto fazia o dever de casa e reclamou para a mãe: “Não estou estudando para ser médico!”
 
Mas o esforço rendeu frutos. Rodríguez ganha de US$ 1.000 a US$ 2.000 por mês, dependendo das comissões, ou até 60% a mais que a renda combinada dos dois empregos que tinha antes. Agora ele dirige um Chevrolet Aveo novinho da Pfizer que poderá comprar a um preço camarada no fim do contrato de leasing.
 
Quando Rodríguez começou a bater às portas dos médicos de Petare, eles ficaram surpresos de ver o representante de uma farmacêutica na favela. A primeira pergunta que os médicos faziam era como ele conseguia chegar aos consultórios em segurança sem que roubassem as caras amostras, diz Rodríguez. (A resposta: ele muda de rota todo dia e às vezes carrega uma mala de rodinhas, às vezes uma bolsa a tiracolo.) A segunda pergunta era normalmente sobre o preço dos remédios da Pfizer.
 
A Pfizer está se aproveitando da crença corrente por aqui e em boa parte dos países em desenvolvimento de que os caros remédios de marca valem a pena porque são mais seguros e eficientes que os genéricos. Os preços da Pfizer na Venezuela tendem a ser 30% inferiores aos dos EUA, mas ainda são 40% a 50% mais altos que os dos genéricos. Em algumas farmácias de Petare, por exemplo, a dose padrão do remédio contra colesterol da Pfizer, o Lípitor, custa entre US$ 100 e US$ 125 por mês, ante menos de US$ 50 para o genérico.
 
É uma diferença considerável num país em que o salário mínimo está em torno de US$ 450. Algumas autoridades de saúde pública se perguntam se a Pfizer está alimentando o que dizem ser uma percepção infundada de que os remédios genéricos não são confiáveis. “A qualidade do produto não tem nada a ver com a marca”, diz Hans Hogerzeil, diretor de remédios essenciais e política farmacêutica da Organização Mundial de Saúde.
 
A Pfizer afirma que o problema com os genéricos na Venezuela é que nem sempre eles são obrigados a ter a mesma formulação que os medicamentos de marca. Ela também está oferecendo aos médicos em Petare cupons com desconto de 10% a 20% para seus remédios. O Lípitor é parte de uma promoção separada no estilo “compre dois e ganhe um”. Mas mesmo com desconto os produtos da Pfizer continuam mais caros que os genéricos.
 
“Somos a Pfizer e nosso negócio é vender BMW, então não vamos baixar o preço dos produtos para o nível de um carro chinês”, diz Mendoza, da Pfizer.

Veículo: VALOR – 08/07/2009