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No Brasil, crescimento é atribuído à economia estável; exterior vê risco de bolha
O clima de otimismo internacional em relação à economia brasileira começa a experimentar os primeiros arranhões, e a veloz expansão de crédito no País entrou no foco das atenções. Há, porém, um contraste entre a preocupação crescente de alguns observadores externos e a visão bem mais tranquilizadora de analistas brasileiros. Para os primeiros, o crescimento do crédito nos últimos anos tem características de bolha. Já na visão brasileira, trata-se de uma expansão normal de uma economia que se estabilizou, tem perspectivas muito positivas e vinha de um nível muito baixo de crédito.
“Não estamos muito preocupados com o crescimento do crédito, porque o mercado de trabalho vai continuar favorável, a massa salarial vai continuar crescendo, e vamos ter rendimento e ocupação em alta”, diz Roberta Veiga, analista de crédito da consultoria Tendências.
Por outro lado, os gestores de hedge fund Paul Marshall e Amit Rajpal fizeram um alerta nesta semana no jornal britânico Financial Times sobre o crescimento do crédito no Brasil, notando que o pagamento de juros e principal deve atingir 28% da renda disponível das famílias em 2011, comparado a 24% em 2010. Eles ainda disseram ter estimativa própria de que o indicador havia ultrapassado 50% no caso da classe média. Os dois previram que o Brasil vai passar de um “boom” para um “bust”, palavra inglesa que quer dizer um “estouro” de bolha.
Analistas brasileiros estranharam alguns números do artigo de Marshall e Rajpal. Por exemplo, os dois escrevem que os atrasos de mais de 15 dias subiram de 7,8% para 9,1% do total de empréstimos entre dezembro de 2010 e maio de 2011. Mas os números do BC indicam que os atrasos de pessoas físicas entre 15 e 90 dias eram de 5,3% em dezembro, e subiram para 6,3% em maio.
De qualquer forma, o indicador que provoca mais preocupação é o de comprometimento da renda com o serviço da dívida, no qual o Brasil desponta de fato como um caso extremo. Em abril de 2011, esse indicador estava em 26,8%, segundo as estimativas do Banco Central (BC). Em seu artigo, Marshall e Rajpal comparam com os 16% do consumidor americano superendividado, e com números de apenas um dígito para China e Índia.
Mas o comprometimento da renda não assusta os analistas brasileiros. Na verdade, por causas do seu nível elevadíssimo no Brasil, os juros pesam mais do que as amortizações. Assim, as amortizações, como proporção da massa salarial, estão estáveis em um nível pouco acima de 10% desde meados de 2009. Já a carga de juros manteve-se entre13% e 14% de julho de 2009 a dezembro de 2010, mas, de lá para cá, já subiu para 16%.
Adriano Pires Lopes, analista de crédito do Itaú-Unibanco, diz que “é complicado fazer comparações internacionais de comprometimento de renda”. Ele nota que o indicador do BC toma o estoque de crédito à pessoa física, incluindo modalidades como consumo, imobiliário, etc. Em seguida, calcula o gasto com o serviço da dívida ponderando aquele estoque pela média de prazo e taxa de juros.
O problema, ele explica, é que o juro aplicado no cálculo é o “da ponta”, que vigora no momento. Como 98% do crédito à pessoa física é pré-fixado, esse cálculo superestima o gasto com o serviço da dívida no momento em que os juros estão subindo (já que a taxas da grande maioria permanece constante).
Do final de 2010 para cá, foram tomadas várias medidas macroprudenciais restritivas ao crédito, e a Selic, a taxa básica, subiu. Assim, os juros “na ponta” aumentaram, o que pode explicar porque o componente de juros no comprometimento da renda aumentou em 2,2 pontos percentuais. Isso não quer dizer, no entanto, que de fato todos os endividados estejam pagando mais.
Outro dado que tranquiliza os analistas brasileiros é que a proporção das operações de crédito à pessoa física mais seguras (consignado e modalidades com garantia real, como veículos, imobiliário eleasing) vem aumentando paulatinamente, saindo de 53% no início de 2004 para 67% em maio de 2011.
Como proporção do PIB, o crédito total no Brasil saiu de 26% em 2004 para 47% hoje, mas ainda está muito aquém de países desenvolvidos (onde pode chegar a 100% ou mais), e mesmo de emergentes como o Chile.
Demanda por operações desacelera no primeiro semestre, diz Serasa
O total de consumidores que procuraram crédito no primeiro semestre deste ano cresceu 13,7% em relação ao mesmo período do ano passado no País, de acordo com pesquisa divulgada pela Serasa Experian, empresa especializada em análise de crédito. O resultado aponta desaceleração na demanda por crédito em comparação aos períodos anteriores.
No primeiro semestre de 2010, a busca por crédito havia registrado elevação de 16,6% ante o mesmo período de 2009; enquanto no segundo semestre de 2010, o indicador havia mostrado alta de 16,2% em relação ao mesmo período de 2009. Já na comparação mensal, a demanda dos consumidores por crédito caiu 3% em junho ante maio e subiu 21% em relação a junho do ano passado.
Os economistas da Serasa Experian avaliam que a desaceleração na demanda por crédito é resultado da elevação das taxas de juros e das medidas adotadas pelo governo federal. No entanto, com a desaceleração abaixo da esperada, a instituição acredita que devem ocorrer novas elevações da taxa Selic (a taxa básica de juros da economia) por parte do Banco Central neste segundo semestre, com o objetivo de conter ainda mais a busca por crédito e auxiliar no controle da inflação.
Elevação dos salários impulsiona o ritmo de aceleração da inflação
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que os salários de contratação na indústria cresceram 12% nos últimos 12 meses. Na média da economia, a alta foi de 10%. No mesmo período, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços Ampliado (IPCA) ficou em 6,7% – acima do teto da meta de inflação estabelecida pelo governo para 2011, de 6,5%.
“Como trazer a inflação para 4,5%, se os salários estão crescendo 10%, 12%?”, questiona o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados. Para ele, o cenário não é de descontrole, e sim de deterioração das condições econômicas. “Não é alarmante, mas prejudica o crescimento de médio e longo prazo.” Pesa ainda sobre a inflação a pressão que deve ser exercida pelos reajustes salariais das grandes categorias que querem negociar aumentos reais.
O crescimento da massa real de salários é bom para o consumidor e excelente para as vendas. No entanto, representa um aumento de custos para as empresas. “O problema é que elas estão mudando a forma de fazer preços”, afirma o consultor. Até um ano e meio atrás, segundo ele, a tabela de preços era instrumento de competição das companhias. “Hoje, elas simplesmente repassam os aumentos para os preços.”
Há cerca de três semanas, Mendonça de Barros teve um almoço com um empresário do setor de embalagens de papelão, que considera exemplar. O industrial contou que, quando precisa aumentar preços, o ritual estabelecido há anos é sempre o mesmo: sua gerente de grandes clientes liga para todos e marca uma reunião. “O cidadão já sabe qual é o assunto e, se não está afim, ele diz que foi viajar.” O caso é que essa gerente estava impressionadíssima. Duas semanas antes, ela ligou para os grandes clientes, falou com todos deles, marcou a reunião com poucos dias de diferença com todos e aumentou os preços para 100% dos casos. “Evidentemente, o cara que comprou o papelão vai repassar isso para a frente.”
Além da indexação informal, Mendonça de Barros acredita que muitos dos itens que hoje estão ajudando a segurar a inflação voltarão a pressioná-la. O preço do etanol é um deles. Isso porque a oferta de cana-de-açúcar deverá permanecer praticamente estável na comparação com 2010, enquanto a demanda pelo combustível cresce fortemente.
Veículo: Jornal do Comércio – 11/07/2011