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Ele lucra com apagão de mão de obra

A escola está em campanha. No teto da recepção, balões coloridos e, na parede, um cartaz em verde e amarelo com letras gritantes: “A profissão do brasileiro é ser vencedor. Cresça com o Brasil!” A meta da equipe de vendas da Microlins é fazer pelo menos cinco matrículas por minuto em um dos 40 cursos que oferece em todo o País.

A maior rede de ensino profissionalizante do Brasil quer aproveitar o apagão de mão de obra qualificada para crescer e até se instalar no exterior. Na cabeça do fundador, José Carlos Semenzato, o projeto é perfeitamente possível.
 
Assim que começou a se falar de pré-sal, Copa do Mundo, Olimpíada e etanol, o empresário ordenou que sua equipe tratasse de desenvolver novos produtos.
 
Os cursos rápidos de petróleo e gás, setor sucroalcooleiro e logística já estão com turmas abertas e não têm concorrentes de peso. É tudo básico e barato para atingir o público-alvo da Microlins – a classe C – e dar a esses estudantes a possibilidade de se tornarem operários.
 
Até 2011, o grupo pretende colocar os pés no exterior. As negociações já começaram com investidores do México, Angola e Argentina. Em cinco anos, a meta é dobrar o número de unidades e chegar a 2 mil escolas no território nacional. “É o nosso melhor momento e vamos aproveitá-lo para, em três anos, nos tornarmos a maior escola profissionalizante do mundo”, diz o empresário, que fala com jeito de quem está dando uma palestra. “Sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno” é uma de suas frases habituais.
 
Trajetória. Parece mesmo que ele aplicou o ditado em sua trajetória empreendedora, iniciada no município de Lins (SP), no início dos anos 90. Filho de um mestre de obras e de uma dona de casa, Semenzato concluiu apenas o ensino médio, fez um curso técnico de informática e começou a dar aulas particulares numa padaria, usando o computador do caixa. Tinha 18 anos.
 
Antes, aos 13, vendia coxinhas feitas pela mãe. “Sem saber, começava ali uma carreira de sucesso”, diz, sem modéstia, ao contar que, com o dinheiro, conseguiu comprar um Fusca para a família. Chegou a trabalhar também como analista de sistemas, mas sabia que nada disso faria com que atingisse sua grande meta: ser rico. Semenzato diz que, desde criança, imaginava que teria casa com piscina, carrão, barco, fazenda e uma conta bancária recheada. Hoje, a Microlins fatura R$ 400 milhões por ano.
 
A primeira escola, exclusivamente de informática, foi aberta em 1991, na edícula de uma casa alugada em Lins. Três anos e muitos contratos de leasing de computadores depois, Semenzato já era dono de 17 unidades próprias. “Eu não tinha capital inicial, comecei do zero fazendo dívida nos bancos”, lembra. Com o Plano Real, o valor da parcela dos cursos caiu e o dos contratos disparou. Os oficiais de Justiça levaram carro, móveis, eletrodomésticos. Parecia o fim.
 
Mas foi o começo. Para não perder as escolas, Semenzato foi atrás de investidores que quisessem tocar as unidades e virou, oficialmente, um franqueador. Em 1997, quando tinha uma rede de 45 lojas, decidiu ampliar o leque de cursos para além da informática. Começou com um curso de práticas administrativas e estourou com a formação de técnico em telecomunicação – profissional que se tornou requisitado com a privatização das teles. Em menos de um ano, o número de escolas quase triplicou.
 
Potencial. Agora, com mil unidades em 500 cidades, a Microlins tem chances de dar outro salto. Um estudo recente do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) indicou que o Brasil terá de qualificar 15 milhões de profissionais nos próximos cinco anos. “A rede do Semenzato tem potencial, mas o crescimento precisa ser sustentável”, diz Adir Ribeiro, consultor de franchising e professor da Fundação Getúlio Vargas.
 
A rede também precisa enfrentar as dúvidas sobre a qualidade dos cursos. Em 2009, a Microlins ocupou a 18.ª posição na lista de empresas com mais reclamações do Procon-SP.
 
Mais do que um empresário do setor educacional, Semenzato é um vendedor. Seu mérito, dizem no mercado, é vender cursos como o McDonald”s vende Big Mac. A seu favor está a capilaridade – vantagem que levou a rede a fechar parcerias com empresas como Totvs, HSBC e Pão de Açúcar. Elas alugam a estrutura das franquias para treinar funcionários em locais distantes da sede.
 
No dia a dia, Semenzato faz questão de acompanhar de perto os contratos de marketing e o número de matrículas registradas na rede. Quando não está na sede da empresa em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, o empresário monitora o desempenho dos franqueados pelo BlackBerry. Também usa o aparelho para compartilhar mensagens com seus 270 seguidores do Twitter (comemora sempre que ganha mais um). Lê e-mails freneticamente e tenta respondê-los em, no máximo, uma hora. Se é bronca, chega a enviar cópia para mais de 100 pessoas.
 
Mas as metas não são atingidas só com esse tipo de pressão. Funcionários que batem as vendas são recompensados com prêmios, como motos e viagens. Para os seis gerentes que mais se destacaram em abril, a premiação foi passar “um fim de semana com o presidente”. Eles voaram no King Air do empresário e passearam na BMW e no Porsche Cayenne do patrão. À noite, Semenzato ofereceu um jantar em casa, com degustação de queijos e vinhos – selecionados entre os 1,2 mil de sua adega. “Eles não acreditavam que eu era de carne e osso”, lembra.
 
Vaidoso e apreciador do luxo, o empresário diz que tem procurado se expor menos. Está tentando levar uma vida mais simples para não causar má impressão aos investidores. “Já tive seis BMWs na garagem, coleção de relógios e outras coisinhas.” Disse que agora está se controlando e justificou o Rolex comprado em janeiro. “Gosto de me dar um presente quando fecho um novo negócio.” O acessório é lembrança do contrato firmado com a Casa do Sorvete Jundiá, terceira maior do segmento no Brasil.
 
Em 2008, presenteou-se com um Porsche Carrera 911 para comemorar a sociedade com o Banco Pátria, que controla a Anhanguera, instituição particular de ensino superior.
 
Os banqueiros investiram R$ 50 milhões na Microlins para comprar 30% das ações e profissionalizar a gestão. A mulher de Semenzato, Samara, teve de deixar a diretoria financeira e os cunhados, os cargos de gerência. Os parentes estão sendo remanejados para novos negócios.
 
Dois motivos fizeram a Anhanguera se interessar pela Microlins, segundo Ryon Braga, da Hoper Consultoria Educacional: “O grande potencial dos cursos livres e a necessidade de a universidade contar com uma estrutura mínima para que o MEC autorize cursos a distância.”
 
Em suas palestras, Semenzato classifica a sociedade com o Banco Pátria como o penúltimo dos ciclos de crescimento da empresa. O último slide – que ele acrescentou com dificuldade, porque não tem familiaridade com o Power Point – registra que o melhor momento da Microlins ainda está por vir.
 
Novos cursos
 
Sucroalcooleiro: dividido em três módulos, com duração de oito meses, para formar operários de base para usinas de cana-de-açúcar, como operadores de centrífuga e auxiliar de destilaria
 
Petróleo e Gás: dura em média 10 meses e forma profissionais para atuar em empresas terceirizadas pela Petrobrás que trabalham na perfuração de poços, logística, transporte e distribuição. O operário sai capacitado para trabalhar como auxiliar de plataformista
 
Logística: forma profissionais de base para atuar em empresas de transporte e na indústria
 

Veículo: O Estado de S.Paulo 10/05/2010