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Decisão inova em caso de leasing

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reabriu, uma década depois da maxidesvalorização do real frente ao dólar, as discussões sobre a validade da correção de contratos nacionais de arrendamento mercantil (leasing) pela variação cambial. E sinalizou uma mudança no entendimento firmado em 2003. Ao analisar um recurso especial ajuizado por um consumidor contra uma decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), a Quarta Turma decidiu que não há necessidade de comprovação da captação de recursos no exterior para que se considere válida a indexação do contrato à moeda americana.

Até então, conforme entendimento firmado pela corte, caso o consumidor requisitasse na ação a prova de que o contrato de leasing está vinculado a um empréstimo externo e o banco não conseguisse comprovar, a cláusula que estabelecia a correção era considerada nula – ou seja, o contrato passava a ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
 
Já nos casos em que os bancos conseguiam comprovar a vinculação – ou então quando essa prova não era requisitada pelo consumidor -, o STJ determinava que os prejuízos com a desvalorização do real, ocorrida em janeiro de 1999, deveriam ser repartidos entre instituição financeira e cliente. As milhares de ações ajuizadas naquela época alegavam que os contratos foram celebrados quando a correlação cambial entre o dólar e o real ainda era de um para um. Mas que, com a maxidesvalorização, a moeda americana disparou, levando os consumidores à inadimplência. Nesse caso, de acordo com o processos, poderia ser aplicada a teoria da imprevisão, pela qual contratos poderiam ser revistos em caso de um efeito imprevisível que tenha causado grande desequilíbrio econômico.
 
Embora a maioria das ações ajuizadas naquela época tratem de contratos de veículos, no caso mais recente levado à Quarta Turma do STJ discute-se um contrato que teve por objetivo o arrendamento de um prédio comercial onde seria instalado um supermercado. O arrendatário fechou o contrato em junho de 1999, quitou parte das parcelas e, no ano 2000, ajuizou uma ação questionando a onerosidade excessiva por conta da variação cambial ocorrida em 1999. O restante do pagamento foi depositado em juízo.
 
O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (TJPB) julgou a ação improcedente por entender que o contrato foi assinado após a ocorrência da desvalorização da moeda nacional, que ocorreu em janeiro. No entanto, a corte não se manifestou sobre a existência ou não de prova de captação de recursos no exterior, alegação que provocou a subida do processo ao STJ.
 
O ministro Aldir Passarinho Júnior, relator do recurso, decidiu conforme a jurisprudência já estabelecida no STJ e determinou o retorno do processo para análise da prova de captação de recursos no exterior. Mas o voto do ministro ficou vencido pelo entendimento do ministro João Otávio de Noronha, que foi seguido pelo ministro Luis Felipe Salomão e pelo ministro Fernando Gonçalves. Eles entenderam não ser necessária a prova.
 
O ministro Noronha levou em consideração que os contratos de leasing cujos bens são adquiridos com recursos normalmente em dólar sempre fazem menção à captação de recursos externos sem indicar precisamente a fonte ou sua vinculação contábil, pois a internalização do dinheiro tomado não ocorre operação-a-operação, mas em valores vultuosos, que a instituição financeira disponibiliza para distribuição no varejo, em linhas de crédito específicas. Ele considerou ainda que a fiscalização da entrada no país de moeda estrangeira, com o objetivo de lastrear um financiamento em moeda nacional, é uma tarefa exclusiva do Banco Central, e não do Poder Judiciário no exame de cada processo. Para o ministro Fernando Gonçalves, a vinculação seria uma prova muito difícil de ser produzida.
 
De acordo com o advogado André Luiz Bundchen, do TozziniFreire Advogados, que defende no STJ a instituição financeira, tomada de empréstimos externos e internos são rotineiros e não há como identificar exatamente de onde veio cada montante na hora de destiná-lo ao mercado interno.
Opinião endossada pela advogada Marta Mitico Valente, sócia do escritório. “Existe apenas a prova da tomada do empréstimo, mas não é possível fazer a vinculação”, diz. Já na opinião do advogado Delosmar Domingos de Mendonça Junior, do escritório MendonçaSalomão, Toscano de Brito Advocacia, que defende o consumidor no processo, a decisão é inusitada e a consequência é a transferência do ônus da prova para o consumidor. “Isso vai contra a sistemática do Código de Defesa do Consumidor”, diz Mendonça. Segundo ele, serão opostos embargos de declaração no STJ para que o julgamento seja revisto na Segunda Seção.
 
Advogados que atuaram largamente na defesa dos consumidores em ações semelhantes receberam com estranheza a decisão do STJ. Na opinião do advogado Rodrigo Guedes, da Guedes Advocacia, a Lei do Plano Real (Lei nº 8.880, de 1994) determina a vinculação dos empréstimos estrangeiros aos contratos internos atrelados ao dólar e, segundo ele, em vários casos os bancos conseguiram comprovar a vinculação. Em mais de cem ações que a banca ajuizou na defesa de consumidores, a maioria acabou em acordo com as instituições financeiras e cerca de 20% ainda está em andamento. “A possibilidade de que as instituições financeiras ajuizem ações rescisórias significaria uma insegurança jurídica enorme”, diz Guedes.
 
Para o advogado João Antonio Motta, do João Antônio Motta Advogados, a prova da vinculação do repasse do empréstimo é fácil porque nessa operação há um contrato internacional atrelado a um interno – o chamado contrato internacional por acessoriedade – que possui registro no Banco Central. “O Judiciário, quando provocado, pode sim analisar se o procedimento foi legal”, diz.
 

Veículo: Valor Econômico