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Convergência positiva

O tempo de preparação foi considerado curto – pouco mais de dois anos -, mas o resultado do processo de convergência das empresas brasileiras às normas IFRS (Internacional Financial Reporting Standards) é avaliado como positivo pelos especialistas. Por mais que a adaptação aos novos critérios contábeis tenha sido intensa, na curva de aprendizagem, a fase agora, segundo eles, é de ajustes para garantir melhor compreensão dos números e da realidade econômica das companhias. Depois de conquistar um nível de consistência em suas informações, é hora das empresas avançarem na busca de maior clareza e concisão.

Os números evidenciam a forma até tranquila com que o processo de convergência caminha até o momento: das 630 companhias abertas que divulgaram suas informações no novo padrão em 2011 (considerando o ITR do terceiro trimestre), em apenas cinco casos a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pediu para refazer ou republicar as demonstrações. Em comum, as determinações envolveram situações em que a autarquia identificou ou a superavaliação do ativo ou que ocorrera uma subavaliação do passivo.

“Não há um grande número de empresas com divergências em relação ao IFRS. A questão não é de quantidade, mas de relevância dos casos existentes, pois envolvem uma possível superavaliação de patrimônio”, afirma Jorge Luis da Rocha Andrade, gerente de acompanhamento de empresas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Um erro desse tipo oferece um potencial de dano maior para o mercado”, diz.

Para Andrade, o importante, a partir de agora, é que as empresas não só deixem claras as premissas utilizadas para lançar os números, mas demonstrem e comprovem como chegaram a eles. José Carlos Bezerra, superintendente de normas contábeis e auditoria da CVM, lembra que o objetivo da adoção do IFRS é a produção de informações úteis para os stakeholders e, por isso, deve refletir o negócio da empresa, como foi gerido e seus resultados. “A partir dessa informação, juntamente com o histórico da empresa, é possível fazer uma análise com menos chances de equívocos”, diz.

As principais questões que permanecerão no foco da CVM neste ano são: a nota explicativa sobre receita, que deve mostrar com clareza as deduções e descontos que incidem sobre o faturamento bruto; a baixa de ativos, que deve ser mais bem explicada e detalhada para os investidores; a nota sobre partes relacionadas, que precisa conter informações mínimas para que se entenda as movimentações entre empresas do grupo no período; as premissas usadas para cálculo do ajuste a valor presente, como taxas de desconto; a divulgação sobre provisões e passivos contingentes; a clareza das notas sobre instrumentos financeiros; a explicação mais detalhada sobre o ativo imobilizado e as taxas de depreciação usadas por tipo de ativo e o uso da conta de reserva de lucros a realizar.

Agora, além do uso do padrão completo do IFRS, as informações devem ser mais claras e objetivas, com destaque para a apresentação das premissas e notas explicativas em diversas operações. Para Fernando Galdi, professor especialista em IFRS da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), mesmo com uma postura mais enérgica da CVM neste ano em relação a 2011 – quando foi mais instrutiva – o esforço maior das empresas deve ser o de aperfeiçoar o processo de interpretação das normas contábeis dentro da realidade econômica de suas operações, e com a sua divulgação de forma clara.

“As notas explicativas cumpriram esse papel, mas as empresas não estavam acostumadas ao seu uso, da mesma forma que não havia a cultura de divulgar as premissas e seu embasamento para o cálculo de determinadas contas”, afirma. Segundo ele, na Europa, depois de mais de cinco anos utilizando o padrão internacional, as empresas continuam a mudar a forma de contabilizar suas operações. O instrumento utilizado para acompanhar esse dinamismo não é a mudança das regras, mas as interpretações, daí os IFRS trabalharem com princípios. “A interpretação, chamada na contabilidade de reconhecimento, depende da análise da realidade econômica e não mais de uma simples aplicação da forma disposta nas regras, como ocorria antes”, explica.

A possibilidade de as empresas manejarem de formas diferentes seus registros contábeis implica em decisões com forte conteúdo subjetivo. Por isso, ainda há ajustes a serem feitos no uso de mecanismos do IFRS que envolvem apresentação de critérios de escolhas. É que boa parte das empresas fez apenas a repetição do texto que estava na norma ou se perderam em uma oferta desmesurada de informações.

Há casos em que a busca por maior transparência resultou em demonstrações financeiras com textos três vezes maiores que os anteriores. O ponto central nesta fase é como considerar a relevância das informações. “Muita informação foi apresentada sem a devida avaliação de sua relevância”, afirma Leandro Ardito, sócio da PwC. Para ele, há alguns parâmetros a serem usados no processo de avaliação de relevância das informações: verificar se colaboram, e de que maneira, para transparecer os riscos da empresa e como são gerenciados. “Informações que mostrem como é o processo de tomada de decisões da empresa são relevantes”.

Outro ponto relevante é a chamada divulgação de premissas: o relato de como as administrações chegaram a determinados conceitos e métodos. Como as premissas têm forte conteúdo subjetivo, criam situações em que outros administradores podem chegar a resultados diferentes, daí ainda haver em receio em lidar com essa questão. Mas esse aperfeiçoamento é visto como parte da curva de aprendizagem do processo de convergência ao IFRS. “Essa dificuldade apenas sinaliza o estágio de aprimoramento”, diz Ardito.

Para equilibrar esta subjetividade no processo de adequação ao IFRS, o papel dos auditores independentes é fundamental. “Eles irão avaliar se as decisões contábeis da empresa – mesmo definidas a partir de situações particulares, considerando a essência econômica de cada situação, estão dentro de um patamar mínimo de razoabilidade”, afirma Fernando Galdi, da Fipecafi.

O resultado dos relatórios de auditores apresentados em 2011 (com base nos ITRs do terceiro trimestre e divulgados pela CVM) sinalizam, na avaliação do professor, que os próprios auditores ainda estão muito vinculados à forma e não à essência econômica das operações: foram 47 relatórios de auditores independentes com ressalva, quatro com negativa de opinião e apenas um relatório adverso. O resultado, de acordo com a própria CVM, está em linha com o de anos anteriores. “Os auditores, assim como outros participantes do processo, ainda estão presos a pontos formais e os fundamentos parecem ter escapado”, diz o professor.

Para o sócio líder de auditoria da Ernst & Young, Sérgio Romani, havia, em um primeiro momento, um receio de que as interpretações dadas pelas empresas levasse a uma inconsistência do sistema para o uso das informações dispostas nas demonstrações financeiras. “Como o IFRS trabalha com diretrizes e princípios, onde a empresa interpreta dentro de sua realidade, as demonstrações poderiam resultar em informações inconsistentes que inviabilizassem a análise comparativa de empresas do mesmo segmento ou entre empresas de diferentes países”, afirma. O país superou essa primeira fase.

As informações são consistentes, mas, segundo Romani, estão muito diluídas e extensas, pois ainda há uma preocupação com a forma. “No momento de decidir o que e como divulgar é preciso desenvolver melhor o que é relevante, para que as demonstrações financeiras, principalmente as notas explicativas, se tornem mais concisas, sintéticas e amigáveis”.
 

Veículo: Valor – 31/01/2012