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Contabilidade ao gosto do freguês

Aguardem uma nova resolução do Banco Central determinando que as instituições financeiras passem a adotar a contabilidade “customizada”, para usar um termo ao gosto dos profissionais de marketing. Algum problema grave nas contas, algo que vai transformar lucros, mesmo que fictícios, em prejuízos astronômicos? Ignore o problema.

A nova forma de fazer balanços, além de pôr fim a todas a polêmicas num passe de mágica, torna inócuas as complexas e custosas Normas Internacionais de Contabilidade, impostas às companhias brasileiras a partir deste ano. Preocupado com o valor justo de seus ativos? Não há por quê. Pense mais num valor ajustado às suas necessidades.

Caso não venha logo essa deliberação oficial, vai ficar difícil entender as demonstrações financeiras divulgadas ontem pelo PanAmericano. Elas só têm razão de ser numa espécie de regime contábil de exceção.

Desde que vieram a público, em novembro, as chamadas “inconsistências contábeis” – próximas de consistentes R$ 4,3 bilhões, pelo que se sabe até agora -, era esperada a divulgação do balanço do terceiro trimestre, que ficou na geladeira depois do escândalo. Três meses depois (o prazo legal seria 15 de novembro), surgiram dois balanços.

Um deles, apresentado pela administração como a fotografia real da situação do banco, é um balanço anual de um mês só, dezembro. Outro, como as demonstrações do terceiro trimestre de 2010, seria uma mera formalidade, como disse ontem o presidente do banco na entrevista para divulgação dos números. É um balanço autista, em que a existência de uma fraude bilionária é ignorada na “mensagem da administração”, a parte das demonstrações contábeis em que os executivos comentam o desempenho do exercício. Já que é só uma formalidade, poderiam ter deixado a página em branco.

“O trimestre encerrado em 30 de setembro de 2010 apresentou um cenário de recuperação progressiva da atividade econômica, o que se refletiu no crescimento da carteira de crédito, no aumento da liquidez e na expansão das atividades do banco”, começa solenemente o texto.

Na sequência, o autor não identificado versa sobre a segurança e seriedade. “É importante ressaltar que a crise financeira já superada mostrou que o setor bancário brasileiro é bastante seguro, maduro e bem regulamentado atravessando os momentos mais adversos com trabalho sério e serenidade, não tendo ocorrido nenhum problema sistêmico. Neste momento percebemos que já voltamos à normalidade.”

O único problema do banco no trimestre foi a inadimplência elevada, mas nada para se preocupar. “Uma vez superadas essas dificuldades momentâneas, o banco, agora mais preparado e maduro, pretende seguir em frente em um novo ciclo de crescimento.”
Resta saber se a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vai começar a dividir os balanços que arquiva por gêneros literários. Mesmo assim teria dificuldades em escolher entre ficção e realismo fantástico. Fábula, talvez, apesar de ser incerta qual é a moral dessa história.

Veículo: Valor 17/02/2011