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Como criar uma rede 4G por uma ninharia

O esforço de Craig McCaw para dominar a emergente era da quarta geração (4G) das redes de comunicação sem fio começou em um porão no Estado de Maryland, em 2003.

Lá, representantes de McCaw reuniram-se com Rudy Geist, um advogado que tinha apenas um cliente – uma transmissora em língua espanhola que era a maior licenciada do país da frequência de 2,5 gigahertz (GHz) do espectro de rádio.
 
Essa banda havia sido cedida a escolas e organizações sem fins lucrativos na década de 1960. Em tese, para ser usada na transmissão de programas educativos de TV. Na prática, o espectro era mal utilizado em sua maior parte.
 
McCaw fez um contrato de leasing com a transmissora em espanhol, dando a Clearwire – uma companhia ele fundara naquele ano – um ponto de apoio em cerca de 20 mercados.
 
A Clearwire acabaria ficando com mais de mil desses contratos de leasing, pelos quais vai pagar cerca de US$ 5 bilhões nas próximas três décadas.
 
Em 2005, quando a Federal Communications Commission (FCC) relaxou as regras sobre a banda de frequência dos 2,5 GHz para encorajar a banda larga sem fio, seu valor explodiu. McCaw se viu, então, na posição de competir com a Sprint e outras companhias pelo controle de um portfólio nacional.
 
Em 2008, a Sprint, que também tinha posições em 2,5 GHz – e ainda lutava com os efeitos da fusão com a Nextel em 2005 – fundiu seu espectro ao da Clearwire em troca de uma participação na companhia.
 
“Esse espectro basicamente deixou de ocupar uma área periférica para ocupar uma área nobre”, diz Brad Bowman, um ativista comunitário de Delray Beach, Flórida, que defende que as municipalidades criem suas próprias redes 4G, em vez de depender das companhias comerciais de telecomunicações.
 
Hoje, a Clearwire diz que as ondas de transmissão de rádio e TV que ela controla estão avaliadas em US$ 20 bilhões ou mais. Agora, estamos para descobrir se McCaw, o pioneiro da telefonia móvel que vendeu a McCaw Cellular Communications para a AT&T por US$ 21,5 bilhões, em 1994, e posteriormente ajudou a criar a Nextel, vai abalar novamente o mundo das comunicações. “Craig tem a capacidade de modificar os horizontes”, afirma Bob Ratliffe, um ex-vice-presidente sênior da McCaw Cellular. “Para um sujeito que nem é engenheiro elétrico, ele tem uma grande intuição de onde o espectro estará disponível.” (McCaw não quis ser entrevistado).
 
No ano passado, McCaw, que é presidente do conselho de administração da Clearwire, contratou o ex-executivo da Vodafone Bill Morrow para ajudá-lo a criar uma rede sem fio super-rápida que vai atender todos os tipos de aparelhos – de smartphones a computadores “tablet” e dispositivos ainda não inventados – a velocidades que rivalizam com algumas conexões de banda larga oferecidas hoje pelas companhias de TV a cabo e telefonia.
 
A Clearwire está apregoando a tecnologia 4G sem fio como sendo até quatro vezes mais rápida que a 3G.
 
É seguro dizer que Morrow nunca teve antes um chefe como o sexagenário McCaw. Às vezes, Morrow é convocado à sala de McCaw, onde o bilionário discorre longamente, com “pontos de vista filosóficos”, sobre como usar a frequência para “abalar” as gigantes das telecomunicações. “O que acontece em seguida, é que eu recebo dois ou três livros como presente”, diz Morrow.
 
Mesmo assim, Morrow não foi contratado para ser um colega literato de McCaw. Os dois executivos tentam atropelar concorrentes bem maiores, como a Verizon e a AT&T, as duas maiores companhias de telecomunicações dos Estados Unidos, num mercado de transmissão de dados que, segundo algumas projeções, alcançará uma receita de US$ 93 bilhões até 2013.
 
A AT&T e a Verizon pretendem lançar os serviços 4G nos próximos anos, usando uma tecnologia que poderá transformar o padrão de banda larga sem fio da Clearwire, chamado WiMax, no próximo Betamax (o padrão de videocassete que desapareceu). “Acho que estamos numa posição melhor”, diz Mark Siegel, porta-voz da AT&T, que afirma que a tecnologia da Clearwire “não foi comprovada para uma verdadeira mobilidade”.
 
Embora não seja um nome conhecido, a Clearwire tem duas grandes vantagens: o enorme acúmulo, por McCaw, de um espectro de banda larga relativamente barato, que supera em muito as ondas de transmissão da AT&T ou da Verizon Wireless, e uma vantagem de um ano. A Clearwire já oferece serviços 4G sob a marca Clear em 32 cidades americanas e pretende ampliá-los para mais 50 até o fim do ano.
 
Para atingir esse número, a companhia está em meio a um acelerado plano de desenvolvimento. No ano passado, ergueu 5 mil torres de telefonia móvel ao custo de US$ 130 mil a US$ 150 mil cada uma. “Isso foi um recorde”, diz Morrow, de 50 anos. “Este ano, vamos dobrar o número de torres em construção.” A Clearwire vai investir até US$ 3,2 bilhões, a maior parte em gastos de capital.
 
Implementar uma única torre envolve alugar ou comprar um terreno; obter o apoio da comunidade e a aprovação das prefeituras, às vezes sob dura oposição; e pagar até 25 trabalhadores para erguer as estruturas, que chegam a ter 120 metros de altura.
 
O processo leva de nove meses a três anos, diz Dave Cloud, um dos proprietários da NuHites Construction Services, que já instalou equipamentos para a Clearwire. “A tarefa e os recursos envolvidos na empreitada são enormes”, diz o consultor de tecnologia Chetan Sharma. Ele calcula que a Clearwire está erguendo uma torre por hora, inclusive nos fins de semana.
 
Para a Clearwire, muita coisa vai depender do acerto da estratégia de comprar cerca de 85% do espectro de 2,5 GHz. Algumas grandes companhias tecnológicas estão dispostas a apostar quantias significativas em McCaw. Dois anos atrás, a Clearwire recebeu investimentos de US$ 3,2 bilhões da Comcast, Intel, Time Warner Cable, Google e Bright House Networks.
 
No ano passado, a Clearwire captou mais US$ 1,5 bilhão de um grupo liderado pela Sprint Nextel, o que levou um analista de Wall Street a chamar a companhia de McCaw de “estratégica demais para quebrar”.
 
A Sprint é agora o acionista majoritário da Clearwire e oferece serviços de internet móvel de alta velocidade sob a marca Sprint 4G. A Sprint vai lançar seu primeiro smartphone 4G nos EUA em 4 de junho.
 
Os US$ 5 bilhões que a Clearwire vai pagar aos detentores de licenças por seu espectro nas próximas três décadas é uma pechincha se comparado ao que seus concorrentes estão pagando. (O valor de US$ 20 bilhões que a Clearwire dá ao seu espectro poderá se mostrar conservador; J.H. Snider, ex-diretor de pesquisas do Wireless Future Program da New America Foundation, coloca esse número perto dos US$ 50 bilhões.)
 
A AT&T e a Verizon compraram espectro que poderá ser usado para o 4G em um leilão feito pelo governo americano em 2008, pagando um total combinado de US$ 16 bilhões.
 
A AT&T e a Verizon podem ter pago mais, mas afirmam que a frequência mais baixa, de 700 megahertz, permite aos sinais de rádio viajarem mais longe, com uma potência menor, e fazem um trabalho melhor ao atravessar construções e outros objetos. “A Clearwire terá que construir duas, três, talvez até quatro vezes o número de torres para conseguir a mesma cobertura”, afirma Nicki Palmer, vice-presidente de redes da Verizon Wireless.
 
Morrow rebate essa afirmação. Ele diz que nas cidades onde está a maior parte dos clientes, “você constroi a mesma quantidade de torres, seja o espectro 700 Mhz ou o de 2,5 GHz”.
 
Ainda mais premente que as questões sobre a cobertura, é a possibilidade de que no atual ritmo de investimentos, a Clearwire poderá queimar seu caixa em 2011, afirma Steve Clement, analista do Pacific Crest Securities, banco de investimentos em tecnologia.
 
A Clearwire poderá precisar de mais US$ 3,8 bilhões para atingir a meta de construir uma rede que cobrirá 270 milhões de pessoas, diz Clement.
 
Depois, há a aposta da Clearwire no WiMax. Cada vez mais, os analistas veem a tecnologia apoiada pela AT&T e pela Verizon, chamada LTE (Long Term Evolution), como o padrão do setor.
 
Isso poderá limitar o número de novos dispositivos atraentes que a Clearwire e seus parceiros de revenda poderão oferecer aos clientes, e em última instância, forçar Morrow a converter a rede para LTE, ao custo de centenas de milhões de dólares. “É quase certo que a Clearwire mudará para a LTE em 24 a 36 meses”, diz o consultor Sharma.
 
Embora nunca tenha sido lucrativa, a Clearwire tem cerca de 1 milhão de assinantes, duas vezes o volume de um ano atrás. Ela conseguiu 283 mil novos assinantes no primeiro trimestre, comparado aos 113 mil do trimestre anterior. “Eles estão anunciando um bom crescimento de assinantes, mas esse crescimento ocorre a partir de uma base muito pequena”, diz Jeff Belk, um consultor de San Diego que já foi executivo da Qualcomm. Em comparação, a Verizon Wireless tem 93 milhões de clientes e vai tentar converter todos eles para a seu serviço 4G.
 
A corrida pelo 4G está agitada, mas a Clearwire poderá contar com suas posições de espectro nobre para continuar valiosa mesmo que seus esforços no varejo fracassem.
 
Por exemplo, as companhias de produtos eletrônicos de consumo vêm demonstrando interesse em incluir o serviço da Clearwire em aparelhos como os computadores tablet, diz Morrow.
 
“Ter muito espectro é uma coisa extremamente valiosa quando você pensa no crescimento exponencial das necessidades por dados da banda larga móvel”, diz Sriram Viswanathan, um vice-presidente da Intel e gerente-geral de seu programa WiMax. “Qualquer uma que tenha mais espectro estará numa posição muito melhor.” Ou conforme diz Belk: “Você nunca é rico demais, magro demais ou tem espectro demais.”

Veículo: Valor 28/05/2010