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A introdução das sistemáticas de julgamento em massa previstas nos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil — conhecidas como Repercussão Geral[1] e Recursos Repetitivos — encheu de esperanças o mundo jurídico, como uma possível solução para o elevado número de discussões que se repetiam no Poder Judiciário.
O tempo, no entanto, encarregou-se de demonstrar como tais mecanismos encontram muitas dificuldades práticas de aplicação.
Serve de ilustração o intrigante caso da aplicação do regime de Recursos Repetitivos na discussão da incidência do Imposto sobre Serviços em relação ao arrendamento mercantil — tese coloquialmente chamada de ISS-leasing.
O julgamento do Recurso Especial 1.060.210 pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça arrastou-se por meses — para ser mais preciso, de 23/05/2012 a 28/11/2012 — com inúmeros pedidos de vista, extensas declarações de voto, sempre contando com a presença massiva de advogados a cada nova sessão de julgamento.
O STJ decidiu, ao final, que o município competente é aquele onde se encontra o estabelecimento da empresa de arrendamento mercantil, por se tratar do local onde se faz a análise e em que se decide quanto à concessão do arrendamento.
Concretamente, quanto ao arrendamento mercantil de automóveis, definiu-se que o local da incidência do ISS não é o local da aquisição do automóvel, nem do emplacamento, nem onde circula, mas o local onde a empresa de arrendamento analisa e decide quanto à concessão do contrato, ou seja, o local onde fica o seu estabelecimento.
Houve, então, a interposição de embargos de declaração, abrindo um novo capítulo da epopeia: houve na época decisão do Relator deferindo a suspensão dos efeitos do julgamento realizado — ou seja, suspendendo o efeito da própria sistemática dos Recursos Repetitivos —, com fundamento no poder geral de cautela.
Tal decisão foi posteriormente revogada pelo próprio relator, que retirou o efeito suspensivo com a expressa intenção de que fosse imediatamente aplicado o Recurso Repetitivo, mas isto não aconteceu.
Vários tribunais, como é o caso do Tribunal de Justiça do Paraná, preferiram “esperar um pouco mais”, pois assim logo haveria o desfecho do caso, com o julgamento dos embargos.
O julgamento levou meses, quase um ano: de 23/10/2013 a 13/08/2014, ao final rejeitando-se os embargos de declaração, mantendo-se o mesmo entendimento anterior.
Seguiram-se os segundos embargos, rejeitados, e Recurso Extraordinário, o qual foi admitido, com isso renovando a desconfiança dos tribunais locais, que continuaram achando melhor esperar, desta vez, o trânsito em julgado, antes de aplicar o entendimento firmado pelo STJ em regime de Recurso Repetitivo.
No TJ-PR já se acumulam mais de 500 recursos sobrestados em relação ao tema, e que não são julgados a pretexto de aguardar o desfecho do Recurso Repetitivo.
No STF, o ministro Dias Toffoli, relator do Recurso Extraordinário 845.766, já proferiu decisão singular negando conhecimento ao recurso que, agora, aguarda julgamento de agravo regimental do Município, mas que certamente em breve será julgado.
De fato, todos os 11 ministros do STF — inclusive o Relator, portanto — já proferiram o mesmo e uníssono entendimento [2] em diversos outros recursos sobre o mesmo tema, inclusive com trânsito em julgado.
O curioso de toda a situação está em que, nada obstante se esteja diante de um entendimento firmado no regime de Recurso Repetitivo, tal entendimento não vem sendo aplicado por diversos tribunais locais ao argumento de que ainda pende o julgamento final e o trânsito em julgado do Recurso Extraordinário relativo ao caso concreto no qual foi firmado o Recurso Repetitivo.
Fica claro que o sistema processual tipicamente aplicada ao caso individual acabou travando o funcionamento da nova sistemática processual de julgamento em massa.
Resumo da ópera: mais de 3 anos se passaram desde que houve o julgamento pelo STJ em regime de Recurso Repetitivo — quando, por força do artigo 543-C do CPC os Tribunais de origem deveriam tê-lo aplicado — e os recursos continuam se avolumando em diversos tribunais estaduais que insistem em aguardar o trânsito em julgado da decisão proferida em Recurso Repetitivo. Não por outro motivo, até mesmo o município já peticionou nos autos do referido Recurso Extraordinário 845.766 suplicando julgamento.
Para prevenir que continuem acontecendo situações deste tipo, corrigindo a sistemática para fazê-la funcionar tal como era pretendido, obrigando uniformemente todos os tribunais do país a aplica-la imediatamente na solução dos recursos pendentes, parece necessário alterar a legislação para que passe a dispor literalmente que o entendimento firmado em Recurso Repetitivo e em Repercussão Geral tem de ser aplicado a partir da data em que publicado o inteiro teor do acórdão, sem aguardar o julgamento de recursos subsequentes e, muito menos, o trânsito em julgado do caso concreto.
Já a solução para a questão concreta do ISS-leasing deverá vir em breve, com o julgamento final do referido Recurso Extraordinário pelo STF.
*Ivan Allegretti é advogado em Brasília, Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da USP e Professor de Direito Financeiro e Direito Tributário da EDB/IDP.
Fonte: Consultor Jurídico. Artigo publicado na edição de quarta-feira (25).