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O deputado Maurício Rands (PT-PE), relator do projeto de lei que permite a criação de cadastros positivos de tomadores de crédito, protestou, ontem, pela retirada de seu substitutivo da pauta de votações do plenário da Câmara. Segundo ele, os líderes partidários priorizaram “quantidade, em vez de qualidade “, ao dar preferência a projetos menos polêmicos, para assegurar o maior número de aprovações possíveis num único dia.
Embora também os considere importantes, Rands avalia que os projetos passados à frente do projeto 836/2003, da autoria original do deputado Bernardo Ariston, eram menos urgentes diante do atual cenário econômico. Foram votados e aprovados, por exemplo, um projeto que trata da oferta de berçário e creche para bebês de presidiárias e outro que visa a inibir a violência em eventos esportivos.
Rands destacou que seu novo substitutivo já estava pronto ontem e que vai insistir para que o texto seja colocado em votação hoje. Em princípio, o entendimento era de que, por se tratar de projeto de lei ordinária, a matéria não poderia ser votada com a pauta trancada por medida provisória com prazo de apreciação vencido (ontem trancavam a pauta as MPs 449, 457 e 458). Mas o entendimento mudou, porque o substitutivo de Rands inclui mudanças na legislação penal, o que não pode ser objeto de MP. E não sendo passível de tratamento por MP, qualquer projeto, mesmo de lei ordinária, pode ser votado antes de MPs com prazo vencido de votação, em sessão extraordinária.
Talvez essa interpretação nem precise ser usada hoje porque é intenção da Mesa Diretora da Câmara colocar em votação hoje, as três MPs pendentes. Para tanto, foram convocadas sessões pela manhã e à tarde. Na segunda-feira, no entanto, o vencimento de prazo de apreciação da MP 459, que criou o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, voltará a trancar a pauta, se ela for destrancada hoje.
O trecho do substitutivo que mexe na legislação penal, assegurando ao projeto passar à frente das MPs, é o que caracteriza como crime, sujeito a três anos de reclusão, a abertura de cadastro positivo sem expressa e prévia autorização do cadastrado. A pedido de deputados com atuação parlamentar focada nas questões de defesa do consumidor, entre eles Celso Russomano (PP-SP), o relator manteve essa parte, que já constava no substitutivo da CCJ, também relatado por Rands, apesar do protesto de representantes das empresas de cadastro e do sistema financeiro.
Hoje, o sistema financeiro e o comércio só dispõem de serviços de informações negativas sobre tomadores de crédito, ou seja, informações sobre o atraso ou não-pagamento de dívidas, ou seja, de inadimplência. A criação de cadastros com informações positivas, de adimplência, é considerada importante pelo governo e pela base aliada. Supõem-se que o uso dessa nova ferramenta de avaliação de risco de crédito reduza os spreds bancários, ou seja, a taxa de intermediação cobrada pelo sistema financeiro, e, com ela, os juros finais ao tomador.
O novo substitutivo apresentado por Rands corrige o principal problema apontado pela equipe econômica do governo em relação ao texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Foi retirada, na nova versão, a exigência de que anotações negativas de crédito (inadimplemento) sejam precedidas de comprovação de entrega da respectiva comunicação ao cadastrado – uso do chamado Aviso de Recebimento (AR). Prevaleceu, no texto divulgado ontem, a regra atual, que exige dos gestores dos cadastros negativos apenas a comprovação de postagem dos avisos nos Correios. O uso de AR elevaria em cerca de sete vezes o custo de inclusão de anotações de inadimplemento. E isso, na avaliação do governo, tenderia a ser repassado às taxas de juros, neutralizando o ganho esperado com a criação de cadastros positivos.
O deputado Celso Russomano (PP-SP) já avisou, porém, que tentará resgatar o texto da CCJ em relação a esse ponto. Russomano é um dos deputados que concentra seu trabalho parlamentar nas questões de defesa do consumidor. Ele acha que a regra atual não assegura plenamente ao consumidor o direito de ser avisado com antecedência sobre anotações de atraso de pagamento em cadastros negativos como o SPC, que é do comércio, e a Serasa, que é dos bancos. Ontem à noite, Rands considerava a possibilidade de voltar atrás e fazer uma terceira versão do seu substitutivo, para acomodar essa reivindicação.
As mudanças feitas pelo relator tampouco satisfizeram as empresas responsáveis por esses cadastros e o sistema financeiro. Os bancos insistem em retirar do texto a parte que trata como crime a abertura de cadastro positivo sem autorização do cadastrado. Mas isso poria o projeto atrás das MPs de novo.
A pressão dos cartórios também não funcionou. O novo texto do relator permite o compartilhamento de informações entre os bancos de dados, desde que autorizado pelo cadastrado, sem necessidade de novo pagamento ao cartório, nos casos em que esse tenha sido a fonte da informação (cartórios de protestos).
O sistema financeiro e os atuais gestores de cadastros, por sua vez, também ficaram insatisfeitos com a garantia de livre e gratuito acesso do cadastrado às informações de seu próprio cadastro positivo, a qualquer tempo. Eles queriam apenas um acesso grátis por ano, para poder cobrar adicionais. Pelo substitutivo de Rands, só os bancos, o comércio ou outra pessoa física que não o próprio cadastrado podem ser cobrados para ter as informações.
Veículo: Valor Econômico