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Osmar Roncolato Pinho
23/09/2010
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista recente à imprensa, afirmou que “tem um inimigo oculto e desgraçado escondido em algum lugar para impedir a reforma tributária”. O tema também inspirou comentário do apresentador Fausto Silva, durante a programação do “Domingão do Faustão”, refletindo o ideário popular a respeito da necessidade de redução de impostos. Na mesma esteira, os postos de combustíveis tiveram um dia de filas colossais porque vendiam gasolina e álcool com isenção da cobrança de impostos como forma de protesto – redução de 53% no preço do litro. Esses episódios mostram o quanto o País precisa de novas diretrizes para a questão tributária.
Para se ter uma ideia da alta carga fiscal brasileira é só observar os tributos e as taxas e encargos sobre os mais diversos bens e serviços. Sobre os gêneros de primeira necessidade, como a casa própria, a carga tributária é de 49,02%. Os impostos sobre bens de consumo são de cerca de 40%: automóveis, 43,63%, e refrigeradores, 47,06%. A conta dos serviços de telefonia embute 46,65% de impostos e sobre remédios, como o xarope, a mordida é de 36%.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é de 35%. Essa carga tributária que faz o brasileiro trabalhar mais de um terço do ano apenas para pagar impostos, está entre as mais altas do mundo. O sistema tributário nacional carece de aprimoramentos que requerem uma reforma fiscal eficiente e consistente. O novo marco tributário deverá traçar diretrizes para que os tributos não sejam cumulativos e para que haja distribuição da arrecadação entre os entes federativos. O Brasil é o único país do mundo que tem um sistema em que um tributo incide sobre o outro, gerando uma cadeia ascendente de custos para quem produz, vende e consome.
Alguns estados perceberam que ao reduzir alíquotas de ICMS, ISS e IPVA atraem mais empresas
Outro aspecto a ser considerado é a complexidade na administração dos impostos, cujos exemplos mais gritantes são o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotivos (IPVA). As alíquotas acabam sendo variáveis entre os estados e municípios, justamente pela permissão para que cada ente federativo possa definir seus próprios percentuais de cobrança. Esse é o cerne das conhecidas “guerras fiscais”, que confundem ainda mais os já complexos processos tributários nacionais.
A confusão advém da indecisão da política fiscal nacional, que oscila entre o furor arrecadatório e a visão racional de que arrecadação é resultante de uma atividade produtiva pujante. Em nível regional, alguns estados e municípios já perceberam que, ao reduzirem as alíquotas de ICMS, ISS e IPVA, atraem mais empresas e arrecadam mais, além de gerarem mais empregos. O ideal seria expandir essa política em nível nacional. No caso do ISS sobre leasing, a confusão inicia-se dentro da regra que criou a competência de cada município fixar sua alíquota e na regra estabelecida por Resolução do Senado Nacional ao estabelecer a alíquota mínima em 2%, e a maioria dos municípios do território brasileiro terem fixado a alíquota em 5% sobre o valor dos serviços.
Uma demonstração do quanto essa afirmação é verdadeira foi a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), aplicada como medida de incentivo fiscal durante a recente crise internacional. Sem qualquer reforma, mais automóveis, geladeiras e móveis foram vencidos e, além de robustecer a demanda, evitou-se o fechamento de milhares de postos de trabalho em diferentes setores. A voracidade pela cobrança de tributos apenas onera os contribuintes e o efeito desse ônus recai, em efeito cascata, sobre toda a economia.
No caso dos serviços de leasing, o peso dos impostos e a insegurança jurídica podem chegar a inviabilizar um negócio que contribui de maneira significativa para o ciclo de nossa economia. Basta dizer que 49% dos veículos de frotas nacionais são oriundos do leasing financeiro e outros 2%, de leasing operacional. A reforma do sistema tributário brasileiro é cada vez mais premente, a fim de adequar tal sistema às necessidades de nossa economia real.
Nesse contexto, o leasing deve ser reconhecido verdadeiramente como um instituto, evitando-se frequentes demandas por conta de uma guerra fiscal, pela arrecadação do ISS ao arrepio do disposto em Lei Complementar ou pelo IPVA, ao transferir o ônus da capacidade arrecadadora dos Estados às sociedades arrendadoras, ignorando o caráter circunstancial existente na propriedade arrendada.
A pressão fiscal desenfreada compromete o crescimento do país porque achata a renda da população e, ao mesmo tempo, contribui para a elevação dos preços dos produtos. O resultado é a redução do poder de compra, e, consequentemente, o decréscimo nas vendas, com impacto negativo sobre a produção, resultando em menos empregos e, em resumo, desembocando na consolidação de um ciclo econômico vicioso ao invés de virtuoso.
Esses apontamentos servem para esclarecer o quanto é imperativa a reforma tributária nas três esferas de governo. O Brasil pós-crise financeira mundial desponta como um dos melhores destinos para investimentos. O bom conceito reflete as melhores condições das contas externas e o reconhecimento do compromisso do país com a estabilidade econômica. O cenário é positivo, sem dúvida nenhuma, mas, num horizonte de médio prazo, a tão aguardada reforma fiscal terá de ser concretizada para tornar o Estado mais eficiente e preservar a competitividade de todo o setor produtivo nacional. Diante desse quadro, esperamos que os novos governantes possam levar a termo a tão sonhada reforma fiscal brasileira.
Osmar Roncolato Pinho, advogado com especialização em Administração Financeira e Direito Tributário, é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (Abel) e vice-presidente da Federação Latino-americana de Leasing (Felalease
Veículo: VALOR – 23/09/2010