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Bancos americanos mantêm o valor justo bem escondido

Isaac, ex-presidente do Federal Deposit Insurance: proposta ‘destrutiva’  

 

Você provavelmente já ouviu o provérbio sobre o que é mais importante no mercado imobiliário: localização, localização e localização. O mesmo se aplica para os números que aparecem nas demonstrações financeiras das empresas.

Veja só o ultraje proferido por William Isaac, ex-presidente do Federal Deposit Insurance, depois que o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb, na sigla em inglês, órgão responsável pela emissão de normas nos Estados Unidos) anunciou sua proposta para ampliar o uso dos valores de mercado para os instrumentos financeiros, de modo que os empréstimos teriam que aparecer nos balanços dos bancos pelo valor justo.

“Trata-se de uma ideia insuportavelmente destrutiva para ser até mesmo proposta.”

Isaac disse isso à Bloomberg News em 28 de maio, o mesmo dia em que o Fifth Third Bancorp nomeou-o como novo presidente não-executivo do conselho de administração. Isaac alegou que os bancos irão deixar de conceder empréstimos que não tiverem valores de mercado facilmente discerníveis. O mesmo tema apareceu em um comunicado à imprensa divulgado pela American Bankers Association em 26 de maio.

Sobre essa questão, o problema não é se essa informação precisa ser divulgada, e sim onde ela deve aparecer. Observe as notas explicativas do último relatório trimestral do Fifth Third Bancorp, e você verá que o banco revelou que seus empréstimos tinham um valor justo de US$ 70,4 bilhões em 31 de março. Isso é US$ 3,2 bilhões menos que o valor demonstrado no balanço patrimonial, um rombo equivalente a 24% do patrimônio acionário do Fifth Third, de US$ 13,4 bilhões.

Um exemplo mais extremo é o Regions Financial, que disse que seus empréstimos estavam avaliados em US$ 12,8 bilhões (15%) menos que o demonstrado no balanço patrimonial em 31 de março. E isso foi antes do vazamentode petróleo da BP ter atingido a região ocidental da Flórida, onde o Regions tem uma grande presença. A diferença do valor justo é equivalente a 73% do patrimônio líquido do Regions.

Mas ao enterrar as estimativas pelo valor justo nas notas explicativas, onde elas não contam contra o valor contábil ou o capital regulatório, esse e outros bancos em situação parecida se apresentam mais saudáveis do que realmente estão.

Portanto, não surpreende que os banqueiros estejam reclamando das mudanças propostas para as regras. Um porta-voz do Regions, Tim Deighton, chamou a proposta do Fasb de “um conceito mal concebido”.

Na verdade, o setor está se safando com tranquilidade. Sob a proposta do Fasb, os empréstimos e muitos títulos de dívida seriam mostrados no balanço patrimonial tanto pelos custos amortizados (que incluem ajustes para os pagamentos de principal e perdas contábeis, entre outras coisas) como pelo seu valor justo. As autoridades reguladoras do setor bancário poderão continuar ignorando os valores justos para esses ativos ao estabelecer os indicadores de capital, se assim lhes parecer melhor. Os investidores poderão se concentrar nos números que eles quiserem.

Perdas de crédito esperadas serão computadas no lucro líquido. No entanto, outros tipos de flutuações pelo valor justo não seriam. Em vez disso, elas seriam colocadas em um balde separado chamado lucro abrangente, que pela primeira vez apareceria no pé da demonstração do resultado, e não só nos balanços patrimoniais.

Isso faria do resultado abrangente a nova “última linha”, por assim dizer. Mesmo assim, a proposta do Fasb dá às companhias uma oportunidade de um voleio de relações públicas também aí, porque elas não teriam que apresentar esse número em uma base por ação, da mesma maneira que fazem com o lucro líquido, reduzindo sua importância.

Na realidade, o Fasb está dando cobertura às empresas para que elas possam dizer que os itens excluídos do lucro líquido não importam tanto quanto os que estão incluídos.
Durante anos, o conselho usou o resultado abrangente como um local de despejo para itens que ele considerava politicamente radioativos demais para incluir no lucro líquido, sempre porque eles tendem a mostrar volatilidade. Esses incluem as mudanças nos valores de planos de pensão empresariais e em moedas estrangeiras, além de certos instrumentos de derivativos e outros investimentos.

O novo plano do Fasb amplia esse balde. Qualitativamente, porém, a distinção entre o que é incluído no lucro líquido e o que é relegado ao lucro abrangente continua sendo arbitrária.

Mudar o resultado abrangente para a mesma página onde aparece o lucro líquido daria a ele uma maior visibilidade. Mesmo assim, ele não teria uma posição igual.
Críticas à parte, a proposta do Fasb vai mais além ao exigir medidas pelo valor justo no balanço patrimonial do que as propostas apresentadas por sua contraparte europeia, o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês). Isso vem levantando dúvidas sobre a capacidade das duas organizações de reconciliar seus pronunciamentos para a formação de um conjunto único de padrões globais, como tem sido o objetivo das duas na última década. Até o mês passado, o prazo declarado pelas duas para conseguir isso era junho de 2011, conforme acertado com o grupo dos 20 países industrializados (G-20).

Os dois conselhos agora estão dizendo que não vão conseguir cumprir o prazo estabelecido [O Iasb e o Fasb dizem que o processo de convergência atrasar porque investidores e companhias estariam preocupados com a velocidade do processo, o que poderia induzir a erros nas demonstrações financeiras].

Para se ter uma ideia do quanto elas estão distantes, o Fasb divulgou um resumo comparando as propostas das duas entidades para os instrumentos financeiros até agora. A lista tem 14 páginas, que apontam principalmente diferenças. Se o Fasb e o Iasb não chegarem a um acordo sobre essa padronização agora, isso sugere que as possibilidades de uma convergência internacional podem estar diminuindo.

Isso poderá acabar sendo uma benção. O principal objetivo das demonstrações financeiras sob os padrões americanos supostamente é atender as necessidades dos investidores, e não das autoridades reguladoras do mercado financeiro ou dos administradores de empresas, e muito menos de um orgão político como a Comissão Europeia ou o Partido Comunista da China. Pelo menos agora quando o Fasb pisa na bola é fácil para os investidores americanos entrar em contato com funcionários do conselho e reclamar. Esse é o nível de influência e acesso do quais eles não deveriam abrir mão facilmente.

Jonathan Weil é colunista da Bloomberg. As opiniões expressas neste artigo são pessoais.

Veículo: Valor 14/06/2010