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A revolução do imposto sobre a renda

por Edison C. Fernandes

A publicação da Lei nº 12.973, de 2014 (lei de conversão da Medida Provisória nº 627) é um marco histórico na legislação do imposto sobre a renda. Trata-se de um salto para a inserção do Brasil no mercado globalizado: tanto pela harmonização do padrão contábil, o que permite às empresas brasileiras serem comparadas com suas pares estrangeiras, como pela atrasada regulamentação da tributação dos lucros gerados pelas subsidiárias das multinacionais brasileiras no exterior.

A primeira parte da lei cuida da tributação da renda no contexto dos IFRS, isto é, dos padrões internacionais de contabilidade. A incerteza tributária surgida com a Lei nº 11.638, nos estertores de 2007, alterando a lei contábil, depois de algumas sérias polêmicas, é agora, em boa medida, solucionada. Como principal garantia para o investimento produtivo ficou a exigência de uma única escrituração contábil (societária) e a isenção da distribuição dos dividendos feita por empresas brasileiras.

Ao disciplinar o novo IRPJ, a lei demonstra que seus autores fizeram a lição de casa, estudando os impactos da implementação dos IFRS pelas empresas brasileiras. Além disso, valorizou-se o conhecimento adquirido em mais de 30 anos no controle do lucro tributável por meio do Livro de Apuração do Lucro Real – Lalur. O controle dos ajustes tributários relacionados à nova contabilidade como adição ou exclusão do lucro real foi a solução perfeita, a que gera maior segurança jurídica para o Fisco e para os contribuintes.

Em alguns casos, o texto legal procura anular a “subjetividade responsável” do atual padrão contábil, estabelecendo objetivamente a disciplina tributária. É isso que ocorre nos casos da dedução da depreciação e dos efeitos do leasing, situações em que as normas contábeis não são aplicadas para efeitos tributários.

De maneira complementar, para os conceitos contábeis mais complexos – e, por isso, mais sensíveis -, a nova lei do IRPJ prevê o princípio da realização, tal como no regramento sobre o ajuste a valor presente e na mensuração a valor justo, cujos efeitos tributários são postergados para o momento em que o grau de estimativa chega a praticamente zero, ou seja, a estimativa é realizada (ou não).

Ciente do fato de que as normas jurídico-contábeis são predominantemente em nível infralegal (pronunciamentos técnicos do CPC), suprindo o silêncio da lei contábil, a segurança necessária à tributação foi dada pela “legalização” de alguns conceitos contábeis, como se verifica, principalmente, no controle e no registro das aquisições de empresas e nas reestruturações societárias, de forma destacada a evidenciação do ágio (goodwill).

Existem, ainda, determinadas práticas e critérios contábeis que não foram expressamente tratados pela nova lei do IRPJ, mas que têm implicações tributárias, como alguns aspectos do estoque (capacidade normal de produção) e do reconhecimento de receitas (momento do registro e alocação por atividade). Nesses casos, a disciplina contábil impõe-se à apuração dos tributos, não sendo efetuado qualquer ajuste. Em outras palavras, nos casos em que a lei tributária não faz referência expressa à norma contábil, o tratamento tributário obedece o tratamento contábil.

Finalmente, em respeito à legalidade, as novas normas jurídico-contábeis que forem editadas, inclusive as de natureza infralegal, e as revisões nas atuais normas deverão ter seu tratamento tributário expressamente disciplinado em lei. Até que a respectiva lei tributária seja publicada, as novas práticas e os novos critérios contábeis serão neutros para a apuração dos tributos, provocando ajustes, porém, sem ensejar outra escrituração, o que mantém intacta a isenção dos dividendos distribuídos com base no resultado contábil.

Se essa primeira parte da lei merece elogios, a segunda parte, destinada a regulamentar a tributação dos lucros no exterior, muito ao contrário, apresenta risco de inconstitucionalidade – na verdade, não esgota por completo a polêmica que tem mais uma década.

A lei permanece disciplinando a incidência do imposto brasileiro sobre o lucro auferido por subsidiárias estrangeiras (controlada ou coligada) antes da sua efetiva disponibilização, além de aumentar significativamente a complexidade dos controles desse lucro. Adicionalmente, não são respeitados os tratados sobre dupla tributária assinados pelo Brasil.

A par da dúvida jurídica, fica a certeza do dano aos investimentos das multinacionais brasileiras, prejudicando a inserção do país no mercado globalizado.

Edison C. Fernandes é sócio do Fernandes, Figueiredo Advogados e colaborador do blog Fio da Meada do Valor Econômico

Fonte: Jornal Valor Econômico – edição de 16/05/2014