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A necessária reforma tributária

Eduardo Maneira*

Todos querem a reforma tributária. As Fazendas Públicas, em geral, os contribuintes pessoas jurídicas e físicas. Se há um consenso nacional em torno da necessidade de se reformar o sistema tributário, há um enorme conflito em torno das propostas. A União diz que quer a reforma, mas não abre mão de um centavo da sua arrecadação extraordinária; os Estados e municípios querem a reforma para arrecadar mais; os contribuintes querem a reforma para pagar menos tributos. Com essa disparidade de interesses, a discussão se arrasta no Congresso Nacional por mais de 20 anos.

Registre-se que os órgãos de fiscalização no Brasil funcionam razoavelmente bem. A carreira de fiscal é das mais prestigiadas e que tem a melhor estrutura dentro da máquina burocrática estatal, principalmente no âmbito da Receita Federal, que está bem aparelhada, dando exemplos a outros países no que se refere a declarações de Imposto de Renda transmitidas pela internet, mecanismos de controle e cruzamentos de dados.

Por isso, quando se fala em reforma tributária, estamos tratando da reforma do Sistema Tributário Nacional, na Constituição. Assim, devem ficar fora do projeto de reforma constitucional os impostos sobre a renda e sobre o patrimônio, as taxas em geral, por serem minimamente tratados na Constituição, bem como os princípios constitucionais tributários que são garantias do cidadão-contribuinte e, portanto, cláusulas pétreas, no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

A reforma tributária deverá, então, tratar dos impostos sobre o consumo (ICMS, IPI, ISSQN), das contribuições sociais e da repartição das receitas tributárias.

A tributação do consumo no Brasil é repartida entre a União (IPI), os Estados (ICMS) e os municípios (ISSQN). Esta tripla competência para se tributar o consumo no Brasil sempre foi fator de problemas. Além disso, são 26 Estados mais o Distrito Federal com competência para instituir o ICMS, e mais de cinco mil municípios para instituir o ISSQN, gerando ambiente propício para que os Estados e os municípios lutem entre si para atrair o maior número de investimentos através da concessão de benefícios fiscais.

A reforma ideal, mas de difícil viabilização política, deveria reunir os impostos sobre o consumo – ICMS, IPI, ISS, bem como o PIS e a Cofins – em um único imposto: o IVA nacional. Este novo imposto deveria seguir os moldes do atual ICMS, ou seja, um imposto sobre o consumo não cumulativo. Simplificaria e daria maior eficiência ao sistema; poderia diminuir a carga e praticamente eliminaria a guerra fiscal. Além disso, eliminaria a tributação da receita bruta, que hoje existe por conta do PIS e da Cofins. Nenhum país elege a receita como fato revelador de capacidade contributiva e, portanto, tributável.

A tributação da receita é uma das grandes anomalias do nosso sistema e a sua sistemática gera muitas distorções. Tributa-se como receita aquilo que é cobrado, mas que não foi pago, ou seja, tributa-se a inadimplência; tributa-se como receita própria o que muitas vezes é receita de terceiros, que simplesmente passou pelo caixa da empresa, mas que não foi apropriada por esta; tributa-se como receita até mesmo o reembolso de despesas. Ou seja, substituir a tributação da receita bruta por um imposto único e não cumulativo sobre o consumo, representaria um enorme avanço.

O argumento contrário ao IVA nacional é o de que o novo imposto afrontaria o princípio federativo, na medida em que estaria restringindo a competência tributária dos Estados e dos municípios. Discordamos desse argumento porque o que importa é que os entes federados tenham autonomia financeira e não, necessariamente, ampla competência tributária. Basta que a Constituição contemple regras claras de repartição de receitas. As máquinas estaduais e municipais continuariam a ser utilizadas na fiscalização e arrecadação deste novo imposto, de perfil nacional, de competência da União e cuja receita seria repartida por rígidas regras constitucionais.

A participação de entes federais na arrecadação de outros não é novidade. A experiência brasileira da participação dos municípios em 25% da arrecadação do ICMS é muito bem-sucedida, por exemplo, além de todos os repasses que são feitos de impostos federais e estaduais por meio dos fundos de participação.

A reforma também deveria cuidar melhor das contribuições sociais, especialmente das Cides, que atualmente não têm praticamente nenhum balizamento constitucional e são instituídas como verdadeiros impostos federais, residuais, afrontando a rígida repartição de competência para a instituição de impostos. Para se ter uma ideia, atualmente temos contribuições (Cides) para o Incra, Funtel, Fust, AFRMM, Condecine, além da Cide combustível e Cide royalties.

Em relação à repartição da receita, defendemos que os Estados e municípios participem da arrecadação de todos os impostos e contribuições federais e não apenas da arrecadação do imposto de renda, IPI e ITR. Com isso, evita-se que a União conceda isenções e reduções de impostos que devam ser repartidos com os Estados e municípios, mantendo, de outro lado, a cobrança integral das contribuições que não são repartidas.

Em suma, a unificação da tributação do consumo, a disciplina das contribuições sociais e uma nova fórmula de repartição de receitas, representariam a necessária reforma tributária que todos desejamos.

Eduardo Maneira é sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, professor adjunto de direito financeiro e tributário da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt)

Artigo publicado no jornal Valor Econômico – edição de 30/1/2014