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O valor da concorrência tem sido objeto de recentes debates no Brasil, nos mais diferentes setores. Porém, em poucos setores fomentar a concorrência é mais importante do que no setor bancário. O tema é alvo de crescente interesse, especialmente em vista da tendência de concentração de mercado nas últimas décadas. Segundo o Banco Central do Brasil (BC), de 2000 a 2007 o número de bancos no Brasil sofreu uma redução de 20%, seguindo uma tendência internacional, e motivada pela estabilização da economia com o Plano Real, que eliminou a senhoriagem inflacionária extraída pelos bancos. Atualmente, os cinco maiores bancos com atividades no país detêm uma participação de mercado de aproximadamente 60%.
Contudo, maior concentração não significa necessariamente menos concorrência e há casos de setores com um reduzido número de agentes que competem de forma efetiva. Os bancos podem e devem competir ferozmente, mas é necessário que, para tanto, os agentes reguladores gerem os incentivos adequados a fim de que, de um lado, se proteja o que se convencionou chamar de “higidez do sistema financeiro”, e de outro, a concorrência seja fomentada.
A principal falha de mercado do setor bancário é a assimetria de informação entre os bancos e os consumidores finais. Outro aspecto sensível do mercado é o chamado “lock-in effect” sobre o consumidor em vista dos altos custos de troca de banco. Isso se dá por vários motivos. Em primeiro lugar, a portabilidade de cadastro ainda é limitada, apesar dos avanços permitidos pela Resolução nº 3.401, de 2006, do Banco Central. Tarifas de encerramento de conta e outros entraves voltados a aumentar o custo de saída restringem ainda mais a mobilidade do cliente. Com isso, surge a oportunidade de abuso de poder de mercado em diversos segmentos – como no cheque especial, “hot money”, capital de giro, leasing, empréstimos e depósitos, entre outros.
Em vista de tais características, a regulação do sistema financeiro assume um papel importantíssimo e sua implementação não é trivial. Desempenhá-la a contento exige esforços coordenados do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e do Banco Central. Nesse sentido, há um projeto de lei complementar – o Projeto de Lei nº 344, de 2002 – em análise no Congresso Nacional que divide a competência entre os órgãos, garantindo exclusividade de análise de fusões e aquisições que oferecem risco sistêmico ao BC, ficando a análise das demais operações e potenciais condutas anticompetitivas a cargo do SBDC.
O Banco Central já vem demonstrado estar atento à questão da concorrência no setor bancário, com estudo de medidas para seu incremento e cooperação com os órgãos do SBDC. Um exemplo foi a discussão de norma para garantir a total liberdade para o trabalhador escolher o banco em que recebe o salário, que acaba sendo o banco no qual a pessoa tem sua conta corrente e contrata outros serviços financeiros. Aqui, temos uma aparente contradição: se o banco compete por novos clientes, a concorrência deveria fazer o preço dos serviços oferecidos aos novos clientes baixar. A resposta a essa contradição reside em que, como os clientes escolhem seu leque de produtos financeiros a partir de qual banco fica com a conta-salário, e quem escolhe onde depositar o salário é o empregador, a competição entre os bancos acaba assumindo a forma de um leilão em que estes pagam aos empregadores pelo número de contas que podem oferecer.
Ou seja, ao invés de competirem ofertando juros mais baixos aos seus clientes, os bancos competem para “adquirir” a folha de pagamentos das empresas. Não se trata, pois, de afirmar que os bancos não competem, mas sim que eles competem na dimensão errada, transferindo largas somas aos empregadores ao invés de ofertarem produtos a taxas mais módicas a seus clientes finais. Contudo, por temer os altos custos que tal liberdade de escolha por parte do empregado poderia impor às pequenas empresas, decidiu-se por continuar a permitir que o empregador escolha um banco único para depositar o salário de seus empregados e regular a prestação de serviços de pagamento de salários sem cobrança de tarifas, conforme a Resolução nº 3.402, de 2006, do BC. Uma recente pesquisa da Gallup Consulting mostra que o impacto dessa resolução na liberdade do empregado foi menor que a esperada: 66% dos 8% dos entrevistados que disseram ter considerado mudar de banco desistiram de fazê-lo em vista de burocracia excessiva ou devido a restrições impostas pela empresa na qual trabalha.
Setores caracterizados por falhas de mercado devem ser regulados e o setor bancário não é exceção. Por suas especificidades, é necessário que haja coordenação entre as autoridades antitruste e monetária a fim de que os bancos sejam incentivados a competir e que o façam na dimensão correta, com a distribuição dos benefícios decorrentes da concorrência aos consumidores e o conseqüente aumento de bem-estar social.
Ana Paula Martinez é advogada e diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica (DPDE) da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça
Veículo: Valor Econômico Índice Geral 22/10/08 Estado: SP