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Valor Econômico – contabilidade dos contratos de leasing

O conhecido sonho de Sir David Tweedie, de “poder voar em um avião que esteja registrado no balanço da companhia aérea”, enfim se concretizou. O bem-humorado britânico que presidiu o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb) de 2001 a 2011 costumava fazer essa piada quando defendia a mudança na contabilização dos contratos de leasing.

Do ponto de vista de Tweedie, está tudo resolvido. Desde 1º de janeiro de 2019, nos mais de cem países que adotam o padrão contábil IFRS – o que inclui o Brasil – e também nos Estados Unidos, passou a vigorar o novo método contábil para reconhecimento de contratos de arrendamento operacional e aluguéis. Nas estimativas do próprio Iasb, feitas com dados de 2015, mais de US$ 2,2 trilhões em contratos que estavam fora dos balanços devem passar a ser reconhecidos como compromisso financeiro, do lado passivo, e como direito de uso, do lado do ativo.

Foram ao menos dez anos de discussão até a publicação da norma, em janeiro de 2016. E mais três anos de período de adaptação para as companhias.

Apesar de todo esse tempo, como de costume, um grande número de empresas, no Brasil e no mundo, ainda não conseguiu ajustar todos os processos e sistemas internos a fim de dar esse novo passo em busca de aproximar a contabilidade da essência econômica das transações, em detrimento dos aspectos formais dos contratos.

Um levantamento da PwC nos Estados Unidos que apontou que 87% das empresas enfrentavam dificuldade para aplicação da nova regra alimentou a esperança de que o Fasb, congênere americano do Iasb, adiaria a entrada em vigor da norma. Mas tudo não passou de ilusão. Com algumas isenções previstas para a adoção inicial, a regra já está valendo.

Por aqui, em evento promovido em dezembro pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) na sede da Fipecafi, o Valor testemunhou as preocupações e dúvidas de contadores e auditores com relação à abrangência da norma, aos aspectos técnicos de implementação e aos efeitos em diversos indicadores de rentabilidade e endividamento. Tudo isso permeado pelos relevantes julgamentos que terão que ser feitos para enquadramento e reconhecimento dos contratos.

A mudança na contabilização de arrendamentos mercantis e afretamentos operacionais, que já são contratados dessa forma, é algo que dá trabalho e exige decisões por parte de cada empresa, como a estimativa de probabilidade de renovação ou não do contrato (seja no início ou mais próximo do vencimento), bem como da taxa de desconto que será usada para mensurar o compromisso de pagamento mínimo a valor presente.

Entre as empresas mais afetadas, por já divulgarem contratos de arrendamento operacional relevantes em notas explicativas, estão companhias aéreas, varejistas, empresas de base florestal e a Petrobras – esta última com centenas de bilhões em afretamentos já contratados (embora ela não divulgue, em nota, o valor presente dos compromissos sob o critério da nova norma).

A lógica é que, por princípio, todo desembolso futuro, decorrentes de eventos passados, que uma empresa não tem condição de evitar, é considerado um passivo. E assim deve ser registrado.

Mas um dos desafios mais comentados está na identificação de contratos que tem característica de arrendamento, embora não sejam identificados como tal. No evento do Ibracon, Tiago Fiori, diretor da BDO, citou como exemplo o caso de terceirização de fretes, em que a transportadora fornece os caminhões, mas os veículos carregam o logotipo da contratante e possuem especificações técnicas para atender a um único cliente.

Segundo o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (Abel), Osmar Roncolato, a complexidade para algumas empresas é tal que ele sabe de casos nos Estados Unidos em que se criou um cargo específico para isso. Trata-se do “classificador de contrato de arrendamento”. “É esse profissional que vai interpretar se, conceitualmente, o contrato contém um arrendamento, o que gera como consequência o registro do ativo e da obrigação”, explica.

Um exemplo citado por Roncolado é o caso de arrendamento de terras, em que é a usina que decide quando comprar insumos, quando plantar, quando colher a cana. “É ela que detém o controle.”

De acordo Fiori, a maior parte das empresas tem optado por uma adoção da norma com uma isenção permitida pela regra, que as desobriga de reapresentar os balanços anteriores, mas que considera os efeitos desde a última renovação de contrato de arrendamento em vigor. Qualquer ajuste, nesse modelo, é feito no balanço de abertura, no patrimônio líquido. Outra opção é adotar a norma apenas para os contratos que venham a ser assinados.

Uma vez as empresas fazendo seus ajustes, será a vez de os investidores assimilarem as mudanças que estão por vir. A diferença em termos de lucro antes de impostos será apenas temporária, com efeito negativo na primeira metade do prazo do contrato e positivo na segunda.

Já o lucro operacional, ou Ebit, bem como o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) das arrendatárias ficarão comparativamente maiores sob a nova regra. Isso porque o gasto com arrendamento deixará de ser registrado como custo ou despesa operacional e passará a ser repartido entre depreciação e despesa financeira. Essas duas linhas são excluídas do cálculo do Ebitda, enquanto a segunda não afeta o Ebit.

Aliás, esse é um ponto positivo da mudança da norma. Não pelo aumento das medidas de resultado. Mas para evitar que investidores e agentes de mercado menos sofisticados continuem a comparar banana com maçã ao usar múltiplos para comparar o valor das empresas.

Até hoje, a empresa que comprava um ativo de forma financiada, em vez de arrendá-lo, tinha dívida maior e Ebitda também majorado. Já quem alugava o bem ficava com Ebitda menor, mas parecia menos endividada. Agora essas diferenças diminuem, embora não necessariamente sejam zeradas.

Pode permanecer uma discrepância porque o valor do passivo e do direito de uso, no leasing, tem relação com o prazo de contrato. Na compra do bem, se considera o custo total e a vida útil econômica integral para fazer os registros.

Fonte: Valor Econômico, edição online de 03 de janeiro de 2019